Capítulo IX - Na Luz do Luar
O trio partiu em direção a estrada depois que o soldado disse que o pai de Gabi teria sido emboscado. O sol começava a se pôr no horizonte, começando a fazer com que as sombras dos viajantes cobrissem seus passos como um cauda longa.
Não havia conversa ou troca de palavra entre eles, somente o farfalhar das folhas no vento preenchia seu silêncio junto ao som de suas botas, vestes e armadura balançando com cada passo, servindo como um fundo para a tensão no coração de cada um.
Crucis seguia na frente, enquanto Gabi ficava logo atrás e Lloyd seguindo por último, vigiando os arredores conforme passavam. Podiam perceber o correr de algumas criaturas nas sombras das árvores e se escondendo nos arbustos. Gabi segurava seu cajado com ambas as mãos, seus ombros tensos em que respirava fundo tentando manter a calma, enquanto Lloyd também permanecia com a arma em uma das mãos, assim como Crucis tinha a mão direita descansando no pomo da espada presa à sua cintura.
O tempo de viagem, de acordo com os cálculos deles, se fossem a pé como estavam fazendo para buscar atrair menos atenção, deveriam chegar durante a noite no local, agora a expectativa de horas era mais difícil de definir.
Crucis firmava a mão na espada, uma frustração sutil o assolando. Como podiam as coisas terem acabado dessa forma? Logo quando sua amiga de infância finalmente se tornou uma aventureira com eles.
Ainda sim, olhando para frente agora, Crucis só podia se preparar para o que viria, sem perceber a sombra que passou a segui-los após tomarem um pouco de distância da cidade.
A lua se levantou no horizonte muito antes deles chegarem ao seu destino. Enfrentando alguns perigos pelo caminho, mas nada que eles não conseguissem lidar estando em três, se aproveitando agora da escuridão, o grupo passou a andar mais junto do mato e se esgueirar na beira da estrada, tomando cuidado por onde pisava.
Lloyd olhava por cima do ombro alertado por um arrepio na sua nuca, no mesmo momento ouvindo o quebrar de um galho entre as árvores. Firmando o cajado com ambas as mãos, e deixando-o mais próximo do seu peito, fazendo uma pressão extra a ser sentida conforme respirava lentamente.
Percebendo que Lloyd parou, seus companheiros também o fizeram, fazendo com que o mago voltasse a olhar para frente recebendo o olhar questionador de Crucis e também de Gabi na pouca luz que entrava entre as folhas.
“Algum problema?”
“...Não.” Lloyd apertava os lábios. “...Sinto que estamos sendo observados.”
“...Talvez seja alguma outra criatura dessa floresta.” Crucis sussurrava, olhando para as árvores, notando então o movimento em diferentes partes, mas sem conseguir definir tamanhos exatos. “...Amazonas costumam agir dessa forma, à espreita, mas… Se for uma delas, não vai ser um problema para nós.”
Crucis olhou então para Gabi, que se recolhia com a arma junto de seu peito, os nós dos seus dedos ficando até levemente esbranquiçados.
“Vai ficar tudo bem, Gabi. Vamos achar seu pai.”
“...Certo…”
E assim voltaram a caminhar. Lloyd olhou na sua bolsa, que carregava na cintura para conseguir pegar o que precisava rapidamente, notando que tinha somente mais uma poção de cura e duas de mana, e olhava na direção de Crucis e Gabi.
Os dois acabaram dividindo mantimentos com ele para conseguirem fazer a viagem sem parar em um mercador, mas ainda não via sinais de chegarem ao seu destino.
A lua agora chegava na metade da sua viagem pelo céu, iluminando o centro da estrada e revelando o destino deles, que eram os destroços de uma carruagem.
Crucis levantou o braço, parando seu grupo de continuar e observando ao redor. Naquele silêncio, seus instintos gritavam que havia algo errado. Gesticulou com a mão para Lloyd entrar na mata do outro lado enquanto ele pegou a mão de Gabi e sinalizou com o indicador da outra mão sobre os lábios antes de se esconderem completamente no meio do mato do lado da estrada que estavam.
Se abaixando na altura do arbusto, o grupo começou a se aproximar da carruagem sentindo melhor a pressão do cansaço em seus músculos, agora ficando ainda mais intenso por se moverem abaixados.
Assim que viu os destroços de madeiras torcidas e as rodas quebradas, a maga sentiu seu coração congelar, seguindo obedientemente Crucis conforme se aproximavam, ficando atrás dele mas esticando a cabeça um pouco para ter um pouco mais de visão.
Quando chegaram num ponto em que ficaram paralelos à destruição, o cavaleiro soltou Gabi e se apoiou com a mão no chão e o outro braço no joelho dobrado.
O cavalo não estava em nenhum ponto de ser visto, as rodas da carruagem estavam destruídas, com a cabine levemente tombada para o lado, sua porta levemente entreaberta voltada para o lado de Crucis e Gabi.
Os olhos da maga se estreitaram tentando observar qualquer coisa dentro da escuridão da cabine, e um leve relance de uma forma fina e branca parecendo ter feito uma tentativa vã de escapar para fora, fazendo com que logo em sequência seu coração disparasse.
Do outro lado da estrada, escondido no mato, Lloyd olhou para o chão ao seu lado, notando a forma de um passo na terra úmida, indo na direção oposta onde eles estavam olhando agora. Seus olhos se arregalaram com isso, e ouviu então a comoção da Gabi correndo na direção da carruagem, com Crucis logo atrás dela.
“Gabi, não!” Crucis murmurou alarmado.
“Meu pai! Meu pai está ali dentro! Pai!”
O corpo de Gabi se moveu sem ela sequer perceber, suas pernas pareciam ter vida própria quando se viu na frente da carruagem, seus olhos carregados de lágrimas quando esticou a mão para pegar a mão que tentava se puxar para fora, mas seus olhos ainda desacostumados não puderam ainda alertada da visão do lado obscurecido quando ela puxou o membro para fora.
Não havia peso resistindo seu puxão, e quando viu, estava segurando uma mão cortada até o cotovelo, ainda com o resto de tecido fino e azul escuro agora manchado de sangue onde havia sido feito o corte.
No dedo anelar estava o anel que continha o emblema da sua família.
Pareceu ser o grito de um animal ou um monstro, quase uma harpia, mas Gabi só registrou depois que era sua própria voz ecoando pela floresta quando soltou a mão decepada que caiu com um som oco no chão enquanto ela caia para trás.
Nesse momento uma javelin partiu de algum ponto da mata ao redor deles, atingindo Gabi no ombro e a fazendo tombar para trás, seu grito de horror se transformando em dor em que se curvava, soltando seu cajado para segurar a arma.
Crucis partiu para fora do seu esconderijo, tirando a espada e se colocando na frente dela, seus olhos escuros procurando a fonte do ataque.
“Gabi, levanta!”
Mais ataques vieram de todos os lados, javelins partindo de trás da dupla, quase entrando na armadura do cavaleiro que estava ocupado tentando defletir outro ataque que veio da frente, grunhindo de dor.
“Mas que merda–!” No fim, levantou a mão e respirou fundo, canalizando a energia do seu corpo para se manifestar nas pontas dos dedos, sentindo-o deslizar como o sangue do seu corpo. “Utevo Lux!”
Uma bola que emanava luz se fez na sua mão e levantou-se um pouco acima da sua cabeça, iluminando pontos de luz que vinham dos olhos e pedaços de armas escondidos nas sombras das árvores. Crucis olhou para os lados, conseguindo agora ver as figuras femininas que saiam de entre as escuridão criadas pelas folhas e eram banhadas pela luz flutuante, seus olhos refletindo apenas uma intenção assassina única.
Eram muito mais do que uma. Da sua visão ao redor, notava cinco, e ainda não conseguia ver o que teria do outro lado da estrada.
Quando lembrava disso, o cavaleiro olhou para trás por instinto, mas não conseguia ver onde Lloyd deveria estar.
“Desista, homem.” Uma das amazonas declarava, seu cabelo ruivo como sangue adornando sua pele alva como uma cascata que recaia antes da sua armadura esverdeada. “Seu aliado fugiu como um covarde e te abandonou.”
Crucis voltou para aquela que falava com ele e balançava uma espada sem preocupação, confiante da sua força, mas o desdém em seu olhar era tanto que não expressava nem mesmo um sorriso. O olhar da amazona desceu para a garota caída, que ainda choramingava segurando a javelin sem conseguir arrancar.
“Um covarde, uma donzela e um cavaleiro medíocre. Isso não é esporte.”
“Sua maldita!” Gritou Gabi, olhando para ela, seus olhos em lágrimas. “Como vocês… Puderam fazer isso?! Como vocês podem fazer isso com outros seres humanos?! Como vocês fizeram isso com meu pai?!”
O olhar de desinteresse e tédio da amazona desapareceu quando ouviu a última fala, abrindo melhor os olhos para observar Gabi. Mas Crucis logo se lançou para frente, gritando em fúria com que levantou a espada com as duas mãos e tentou fazer um ataque direto, sendo defendido pela sua inimiga que levantou a própria arma para bloquear o ataque.
Foi surpreendida com o peso do ataque, sendo forçada a levantar a outra mão para apoiar a ponta da arma e com o apoio dos dois braços empurrou Crucis para trás, logo o atingindo na barriga com um chute que o jogou para o lado, com o cavaleiro rolando uma vez no chão e logo se apoiando para levantar.
Vendo a intensidade do homem, a atacante apontou a espada na direção de Gabi, a ponta da lâmina pressionando o rosto macio da maga que se calou com os olhos arregalados, sentindo um fio de sangue descendo pela sua bochecha.
“Mais um passo e a cabeça dela vai rolar.”
Crucis parou imediatamente, ofegante. Os golpes que tomou antes foram mais fortes do que esperava, junto com o último chute, sentiu uma dor aguda na sua costela que fazia ser difícil respirar. O rapaz parava, cerrando os dentes, vendo o rosto aterrorizado da morena, que mal conseguia respirar de terror.
“...Por que vocês não nos matam logo?” Crucis finalmente conseguiu falar aquilo, grunhindo entre dor e raiva. “Não é isso que vocês fazem?”
A ruiva não se dignou a responder, podendo ver quando javelins voaram na direção dele e Gabi finalmente falou algo, se movendo mesmo que a lâmina da espada cortasse ainda mais sua bochecha.
“Crucis, atrás–!”
O cavaleiro chegou a virar o rosto, tendo um vislumbre quando quatro javelins atingiram suas costas e o tombou para frente, fazendo com que o gosto ferroso fluísse pela sua boca e escapasse para fora, fazendo seu sangue se misturar com a terra.
Os gritos de desespero de Gabi puderam ainda ser ouvidos por ele quando começava a desmaiar, vendo os pés da armadura verde se virando para ela antes que ela caísse no chão em sequência com os olhos da maga fechados.
A visão do cavaleiro ficava cada vez mais escura, sentindo o frio ficando cada vez mais forte, quando finalmente não conseguiu manter a consciência.
Quando os dois finalmente pararam de resistir, a amazona suspirou com um ar entediado, guardando a espada na cintura.
“Amazonas…” Ela olhou ao redor, com seu comando o restante das mulheres saiam da mata. “Vamos levar esses dois para o acampamento. Certifiquem que o homem não morra.”
Uma das que estavam como subalternas se aproximou, com um ar confuso.
“Por que? Ele é um homem.”
“Por que essa mocinha aqui é filha do mercador que atacamos.” Por fim ela sorria se agachando na frente do cavaleiro desacordado. “...Vai ser bom para forçar que a maga possa abrir mais a boca, ela parece se importar com ele.”
“E quanto ao outro mago? Mandamos algumas atrás dele, mas elas já voltaram, disseram que perderam-no de vista…”
A amazona olhou na direção de onde Lloyd teria corrido, que era na mesma direção de onde eles tinham vindo.
“...Não tem problema. Eles não sabem onde estamos.” A amazona caminhou para fora da estrada, entrando no mato. “Vamos, não temos tempo a perder. Só certifiquem que o homem não morra.”
Tão rapidamente como surgiram, cada amazona desaparecia, deixando apenas um rastro novo de sangue que sumia junto com elas quando levavam embora seus prisioneiros.