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Tópico: Taberna dos Ímpares

  1. #1
    Avatar de Mediocre D Medium
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    12-08-2010
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    Padrão Taberna dos Ímpares

    Pode não parecer, mas sempre acompanhei com vigor os subforums de leitura/escritores, e com a inauguração dessa nova seção, me deu um ânimo para participar. É difícil dizer que tipo a minha história se encaixa, pois ela será um mesclado gigantesco de vários tipos, gêneros e estilos. Só posso dizer, por enquanto, que o prólogo é atual.

    Ah! Outra coisa. Realmente não administro parágrafos, só a minha introdução deve ter umas 4 paginas. Sei que o costume daqui são posts pequenos, mas esse não é meu estilo.

    Bom, apresento-lhes


    Taberna dos Ímpares


    Introdução


    Seis da manhã, o marcador digital do relógio brilha na escuridão, é a única fonte de luz naquele quarto escuro. Como se fosse programado para isso, João acorda pontualmente. Levanta-se preguiçosamente da cama e aos tropeços atravessa o quarto em direção ao interruptor. Liga-o. Momentaneamente a luz o cega, mas aos poucos sua visão retorna, revelando um típico quarto, cama, criado-mudo, armário grande, armário pequeno e objetos variados espalhados, tudo que normalmente um quarto possui. Com passos sonolentos, caminha em direção ao seu banheiro. Seu trivial espelho reflete a imagem de seu banal ser, branco, de meia idade, barba feita, cabelos pretos e curtos. Após a desinteressante visão, pratica como a maioria sua higiene matinal, banho, dente, desodorante, cabelo e perfume. Sentindo-se limpo, veste rigorosamente seu uniforme, traje comum de trabalho, terno preto bem passado, gravata negra endireitada no pescoço e um penteado formal, no seu caso, cabelo molhado repartido para o lado. Sentindo-se apresentável para o mundo, apronta rapidamente um costumeiro café-da-manhã, proteínas, carboidratos, vitaminas, lactose e glúten. Sentindo-se satisfeito, sai em disparada pela porta da frente, sem esquecer de sua fiel mala de couro sintético, rumo a mais um típico dia de trabalho em uma metrópoles.

    João andava em passos lentos, como a maioria mundial que detestava seu emprego. Caminhava pelas ruas com cansaço nas pernas e tristeza estampada na face, rumo ao metrô da cidade, seu veículo costumeiro de transporte. Pensava ele: “Se carroças aladas são o meio de transporte entre a terra e o céu, o metrô sem dúvida era o do inferno”. Como sempre ao chegar ao local, encontrava mais pessoas de sua tribo, na verdade a maioria esmagante pertencia a ela, pessoas que vestiam o mesmo uniforme. Algumas delas até demonstravam pequenas modificações, uma leve variação de cor na gravata ou um minúsculo detalhe diferenciado no terno, mas no fundo, não enganavam ninguém com suas supostas liberdades de estilos. Obrigatoriamente todos se replicavam. João presenciava, através de seus olhos, uma estação cinza e morta, onde as cores pretas e brancas predominavam; rara eram as vezes que vislumbrava uma extravagância de cores, onde sua viva fonte era sempre subjugada e discriminada pelo massivo bicolor.

    Ele adorava ficar apoiado em uma das pilastras que sustentavam aquele vão debaixo da terra, onde ficava isolado da multidão, perdido em seus pensamentos. Imaginava um desses tantos desconhecidos, tendo um enfarte e caindo duro no chão. Com olhos examinadores, apostava em quem do aglomerado prestaria socorro, ou em quem desmaiaria junto de nervoso, ou até em quem roubaria os pertences do defunto e fugiria a toda velocidade, feliz pela sorte grande.

    O metrô finalmente chega. Portas eletrônicas abrem-se, e a boiada humana afunila-se na entrada. João é um deles, mas nativo da rotina, logo se emburaca e adentra no vagão. Senta na primeira cadeira individual que encontra, alegrando-se pelo achado, pois saciaria sua frescura. Nunca foi adepto ao esporte de roçamento de células mortas com estranhos pela manhã. A viagem hoje seria curta, não que seu destino diferenciava dos outros dias, apenas dominou o conhecimento da locomoção. Diferentemente da física, no metrô a durabilidade de uma viagem não é determinada pela distância de dois pontos, e sim pelo conforto de seu lugar. Em pé, no meio da multidão, teria pela frente uma longa viagem, mas hoje, sentado numa cadeira individual, seria em tempo recorde.

    Era um vagão lotado de animais falantes e produtores de grandes tons, mas o som metálico dos trilhos era o único ouvido, todos emudeciam-se e tentavam ao máximo o desencontro de olhares. Nesse esporte João era titular. Novamente ele aprofunda-se em seus pensamentos, imaginando como seria se aquele mesmo vagão, com as mesmas criaturas falantes como a solidão, fosse magicamente tele-transportado para algum planeta desconhecido. Quem formaria o primeiro casal? Quais pessoas se odiariam? Quais cultivariam grandes amizades?

    O metrô chega em seu destino. Portas eletrônicas abrem-se, boiada humana afunila-se na saída. Alguns minutos depois de empurrões e esbarrões, finalmente João chega ao seu local de trabalho, um grande prédio pertencente a uma grande organização. Trabalhava no oitavo andar, em um grande salão dividido em vinte pequenas mesas de escritório, praticamente uma cópia dos outros nove andares restantes do prédio. Assim, ele passou seus últimos dez anos de sua vida, trabalhando numa marca banalizada, em um de seus prédios padronizados, ocupando mesas de escritórios singulares, e fazendo o mesmo serviço de milhares.

    O término do expediente chega. Todos voltam para suas casas, para suas obrigações não remuneradas; menos João, esse caminha tranquilamente pelas ruas da cidade, totalmente sem compromissos, em seu horário livre. Com sua maleta na mão, seu terno desabotoado e sua gravata afrouxada, assistia em movimento o pôr-do-sol, onde seus últimos raios o faziam transpirar. Olhou para a grande bola amarelada no horizonte: “Quente”. Olhou para seu escuro terno: “Traje europeu”. Olhou para aos céus: “Quem foi o gênio que aderiu e tornou lei usá-lo?”. Olhou para as pessoas em sua volta: “Camisa e bermuda, isso sim que os brasileiros deveriam usar no trabalho”.

    João sempre foi um exemplar diferenciado de sua espécie, apesar de sua aparência e de suas vestimentas dizerem o oposto, ele dificilmente mesclava-se na multidão. Seu gosto e seus pensamentos sempre foram exóticos, usava seu cérebro vinte e quatro horas por dia, sem descanso, sem pausas em suas maquinações, mesmo em um andar singelo ao retorno de seu lar. Sua costumeira jornada pelas ruas escuras da cidade após o trabalho, era apenas mais um de seus gostos não convencionais.

    Esse foi sempre um de seus maiores prazeres da vida, a “Caminhada do Alvorecer”, assim ele a chamava; andava pelas ruelas de sua cidade predileta até ao amanhecer, praticando em passos curtos o seu livre-arbítrio. A Conhecia como a palma de sua mão, ou até mais, já que tinha percorrido cada uma de suas avenidas, alamedas, ruas, ruelas, vias, becos, passagens, caminhos, acessos, gretas, túneis, fissuras, frestas, grutas, etc. Conhecia de cabeça todos os nomes dos bairros, ruas e pontos turísticos. Já tinha vislumbrado sua beleza dos mais variados ângulos, em terra firme, em tomadas aéreas ou até em fotos espaciais. Podia vendar seus olhos e rodopiá-lo sem pena, que qualquer lugar da cidade que o deixassem, ele reconheceria de supetão; talvez por causa de uma excêntrica árvore com troncos retorcidos, ou pelo irregular chão que formava poças ao chover, ou por uma jeitosinha “casa de avó”, aquelas de móveis antigos e aroma de bolo de fubá ao forno, ou por um carro importado na garagem. Não importava, ele saberia, e se por acaso alguém apostasse, perderia. Mas, inconscientemente humilde como sempre foi, apenas teve nessa noite a consciência de sua habilidade, da grandeza de seu conhecimento, e entrou em êxtase ao imaginar ser o único ser daquele mundo a possuir aquele saber, de todas as mentes com as mais variadas capacidades intelectuais a conhecer cem por cento aquela cidade. Naquela noite, apesar dele nunca ter conseguido citar todos os estados brasileiros, sentiu-se inteligente, intelectualmente capacitado, sabido até ao transbordo de sua borda. Sentiu-se... único.

    Já passava das quatro da madrugada, e ele achou sensato começar a rumar de volta para casa, passo a passo regressou de seu trajeto percorrido por momentâneos impulsos. O barulho da dura sola de seu sapato era o único instrumento a emitir som naquelas ruas, nenhuma alma viva cruzara seu caminho há horas, nem sequer ouviam-se conversas ou o clássico cântico metropolitano em ruas paralelas distantes. João encontrava-se caminhando na solidão, parecia ser o único morador daquela cidade, as casas mantinham suas grandes janelas fechadas e nenhum sinal de vida escapava de seus domínios, nem uma luz, nem um ruído, naquele momento até requebrados de caveiras o alegraria, resgatando de sua melancólica solidão momentânea. Admirando o casamento do silêncio com a escuridão que ele notou espantado o bater de seu queixo, estava caminhando repentinamente ao encontro de uma forte ventania, seus gélidos ventos passavam com pressa entre as fendas de sua forma, instintivamente seus braços acolheram-se um ao outro e sua cabeça inclinou-se para frente. Sua respiração estava pesada e suas pernas pisavam forte no chão, e seu único pensamento era: “DE QUE BURACO GÉLIDO-INFERNAL SAIU ESSA MERDA?!”. João nunca vira um frio tão intenso naquela região, e com espanto nos olhos avistou pequenos flocos de neve caindo ao chão. Ele estava espantado e ao mesmo tempo admirado com tal impossibilidade, sabia que ninguém acreditaria se contasse, mesmo com sua argumentação artificiosa elevada. Em plena fascinação pela fuligem cristalina, dava à cara a tapa, levantando-a do ventre de seus ombros que o protegiam dos ventos frígidos e imparciais, tentando abocanhar o máximo possível dos respeitosos flocos, possuidores dês da nascente de tais venerações sem se sobressair. Em seu exaltado recesso, avista de relance, do outro lado da rua, um pequeno beco que se espremia entre duas grandes casas, tão pequeno que mal dava para passar frontalmente uma pessoa, ou em pé de igualdade, lateralmente um gordo. Ele rapidamente atravessa a rua e aproxima-se de sua entrada, que era totalmente escura, e apesar de não enxergar o seu outro lado, dava a impressão de ser bastante longo. João nunca avistara esse beco antes, mesmo que minutos atrás jurava conhecer cada canto daquela cidade, e sem pensar duas vezes, sua curiosidade o empurra para dentro de seu breu.

    Era totalmente desprovido de iluminação, nem a lua cheia parecia ousar se intrometer em sua negritude. João andava com dificuldade em seu domínio, não dava para enxergar um palmo em sua frente, suas pernas davam passos cautelosos no vazio enquanto suas mãos deslizavam nas extremidades do beco. Alguns poucos minutos se passaram em sua caminhada sombria, quando percebeu que o chão mudou de material, era um chão macio e seus passos não mais faziam barulho, parecia ser de terra. Ao longe, percebeu uma fraca luz amarelada no fim de todo aquele preto, com ânimo renovado, apertou o passo e logo a luz amarelada deu lugar a uma estrutura de madeira, que por sua vez, deu lugar a uma velha casa com pequenas janelas que expeliam uma fraca luz amarelada, que provinha de seu interior. O término do beco acabava exatamente no início da casa, que na verdade, de acordo com a placa de madeira encima da porta: era uma taberna, a “Taberna dos Ímpares”. Ela continha dois pequenos andares, e os dois eram feitos de madeira antiga. O segundo andar apresentava apenas três pequenas janelas, enquanto o primeiro continha duas das mesmas janelas, uma de cada lado da única porta, que por sua vez, cobria-se com uma simplória varanda.

    Lá estava João, em pé, com seus sapatos empoeirados de terra, seu terno desabotoado, sua gravata afrouxada e sua fiel mala de couro sintético em uma das mãos. A neve acumulava em seus negros cabelos e o frio assolava seu externo ao mesmo tempo em que a fome consumia-o por dentro. Olhou para trás. De seu caminho percorrido não se via mais nada, apenas uma negra tela. Olhou para frente. Uma taberna velha e misteriosa, com luz amarelada e sons de conversas eufóricas escapando de suas minúsculas janelas. Com uma sábia escolha, o homem formalmente vestido se aproximou da porta de madeira e com um movimento brusco girou a maçaneta, a porta rangeu lhe dando boas vindas, e a silhueta do homem se perdeu adentrando a taberna.


    Fim da Introdução


    A introdução foi baseada na HQs (revista em quadrinhos) SandMan

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  2. #2
    Avatar de Gabriellk~
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    Olá.

    Primeiramente, devo dizer que por enquanto estou neutro com relação a sua história. Dependendo do que vier nos próximos capítulos, minha opinião pode mudar, mas por enquanto é difícil dizer muita coisa.

    Eu achei a escrita impecável, não vi praticamente nenhum erro. Apenas algumas descrições não gostei muito, me soaram muito mecânicas. Por exemplo: "mas aos poucos sua visão retorna, revelando um típico quarto, cama, criado-mudo, armário grande, armário pequeno e objetos variados espalhados", ou a descrição do café-da-manhã do João.
    Não sei se me fiz entender bem, mas, de qualquer jeito...

    Você falou dos parágrafos e que não da muito atenção a eles (pelo menos foi o que eu entendi). Realmente isso ficou bem visível no texto .
    Alguns parágrafos foram cansativos de ler simplesmente devido ao tamanho gigantesco dos mesmos, como o antepenúltimo.

    Isso aliado ao tamanho do seu texto, e a falta de diálogos, pode (e acho que vai) afugentar muitas pessoas do seu tópico, antes mesmo que elas leiam umas poucas linhas e se interessem pela história. Já aconteceu muito comigo. Mas como você disse que não é seu estilo escrever textos pequenos, acho que não dá para fazer nada.
    Bem, é só isso, estou esperando o próximo capítulo.
    Até mais.

  3. #3
    Avatar de Ldm
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    Como você já disse estar familiarizado com as seções, não preciso exaltar a escassez de comentários, principalmente com textos grandes; que bom.

    Enfim, antes de começar a ler, já imaginava uma saga épica, cheia de aventuras, guerreiros, intrigas e sangue. Imagine o baque que foi ao me deparar com o início brusco, para mim, do texto.

    Diferente do Gabriellk~, achei perfeitas as descrições mecânicas ao longo do texto, principalmente pelo fato de realçarem a rotina boba e mecânica do personagem.

    No geral, todas as descrições apresentaram um caráter humorístico. Um humor depreciativo, é verdade, mas esbocei uns quantos sorrisos ao longo do texto.

    É o tipo de texto que me prende, principalmente pelo tema; e do modo como foi escrito, ficou algo sensacional, para mim. Não me desinteressei pela rotina monótona do personagem, principalmente pelo narrador; seria comum perder-se, achar algo medíocre, mas o modo como foi narrado realmente mudou a perspectiva do leitor (pelo menos a minha). Ou seja, você conseguiu traçar uma linha de interesse, até culminar no desfecho que realmente toca o ponto principal do prólogo, embora eu tivesse preferido a narração dinâmica de outrora.

    E, uau, um personagem brasileiro! Incrível, o personagem já me convence, porque é algo com o que eu posso associar a personalidade, os pensamentos e tudo o mais. Não é um estranho europeu/nórdico/oriental qualquer; é o João.

    Tudo legal, até que... Desfecho?!

    Serei sincero, não me agradou; por enquanto. Não que o lugar seja clichê, até porque nada foi mostrado do que existe lá e qual será o ponto principal da história, mas o modo como ele chegou lá não soou nada original; lembrou muito os filmes do tipo Sessão da Tarde.

    Pelo que foi apresentado até o desfecho do prólogo, torço para que não saia algo bobinho e tal. Acho que você sabe o que faz.

    Abraços.


    "Este tem sido o problema dos místicos. Alcançam o Definitivo, mas não podem relatar aos que lhes vêm após. Não podem relatá-lo a outros, que gostariam de ter essa compreensão intelectual. Tornaram-se um com o Definitivo. Todo o seu ser o relata, mas a comunicação intelectual é impossível. Poderão dá-lo a ti, se estiveres pronto para recebê-lo, poderão permitir que o alcances, se também o permitires, se fores receptivo e aberto. Mas as palavras não farão isso, os símbolos não ajudarão, teorias e doutrinas não serão de uso algum."

  4. #4
    Avatar de Mediocre D Medium
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    Padrão Capítulo 1 – Primeira História

    Bom, quero agradecer às pessoas que comentaram e deram suas opiniões ( os 2 cavalheiros distintos ), e lascar outra parte da história.

    Gabriellk~: Sobre as descrições no primeiro parágrafo, realmente foi minha intenção passar batido nelas, fazer algo rápido e explicando banalmente as ações que fazemos todos os dias. Já sobre a falta de diálogos, foi única e simplesmente culpa pela falta de alguém para papear. Nos outros caps com certeza terá diálogos, já que ele encontra alguém para papear

    Ldm: Incrivelmente você captou bem o que eu queria passar, e fico feliz por te agradar e muito mais ainda por fazer você dar pequenos risos tímidos. E pensando bem, você pode ter alguma razão sobre como a taberna fora apresentada, mas isso eu posso adiantar, não tem nada de clichê atrás daquela porta

    Obs: não sei como deveria postar a continuação, então botei em citar mesmo. Fiquei sabendo que mudou as regras do fórum sobre esse tipo de postagem. Caso esteja errado, algum moderador pode arrumar. Não encontrei nenhuma regra falando sobre isso...

    Capítulo 1 – Primeira História

    Quando a porta da taberna fechou atrás de João, ele pensou que todos ali presentes iriam interromper suas risadas e focarem sua atenção para o mais novo visitante, como se ele fosse um forasteiro entrando num bar no velho oeste americano, mas para seu espanto, ninguém deu a mínima bola e muito menos o barulho cessou. A taberna era bem maior por dentro do que ele imaginava, no canto direito existia uma escada que provavelmente dava acesso ao segundo andar, e no esquerdo uma pequena passagem, que pelo vai e vêm de mulheres carregando bandejas, dava para a cozinha; o resto era um salão ocupado por várias mesas e cadeiras de madeiras posicionadas desordenadamente, também existia um grande balcão onde atrás dele ficava um homem gordo e vários tipos de garrafas de bebidas e barris de cerveja. Lá dentro era uma alegre confusão de pessoas, existia uma variedade incrível delas e todas se interagindo como velhos amigos. João sentiu-se em um bar de um planeta distante, perto de uma rota comercial estrelar. Mas não lhe entendam mal, todos eles eram humanos, só que apesar de suas espécies coincidirem, agiam, falavam e vestiam-se diferentes umas das outras, parecia que todo o tempo humano fora comprimido e colocado dentro da taberna, transformando-a em um lugar atemporal. Lá dentro via-se de tudo, um cara vestido semelhante aos romanos, uma mulher utilizando antigas modas dos anos sessenta, um velho parecido com um monge indiano, uma bela mulher coberta apenas por uma fina camada de seda branca, uma jovem criança cercada de ouro como os velhos faraós do Egito, um homem barbudo coberto por uma pesada manta de pele animal, etc. Todos eles mesclavam-se desordenadamente por todo o espaço do estabelecimento, em cima das mesas, sentados nas cadeiras, nos balcões ou simplesmente em pé encostado nas paredes. João, que sempre se sentia formalmente vestido, envergonhou-se de sua opaca aparência pela descontração do lugar.

    Libertando-se de seu admirável encanto, arrisca seu primeiro passo na taberna; seu peso faz estalar o piso, que era formado por tábuas de madeiras antigas e lascadas, mostrando grandes fendas entre elas que exibiam a escuridão abaixo. Após o primeiro passo, ganha coragem e quando estava preste a lançar o segundo, uma voz rouca lhe chama a atenção:

    - Ei, você! – a voz vinha de um homem que se encontrava sozinho em uma das mesas – Sim, você! É sua primeira estadia aqui?

    -É comigo? – perguntou o João aproximando-se do homem.

    - Pelos fortes ventos, – o homem levantou suas mãos ao ar – com quem mais seria? Tenho várias falhas, mas vesguice não é uma delas. – sua risada ecoou alto na taberna, mas junto a tantas outras, era só mais um tom no acorde.

    João pela primeira vez, da uma boa examinada no homem. Era de meia idade, cabelos pretos engrenhados e tinha a barba para fazer, sua roupa era de pano azul surrado e usava um tapa-olho no seu globo ocular esquerdo. No geral tinha um aspecto ensebado e sujo.

    - Sim, mas estou apenas de passagem. – respondeu João – Na verdade, estou aqui mais pelos ventos frios lá de fora e pela minha fome, do que pela minha própria escolha.

    - Estamos todos de passagem por aqui amigo. – apontando para a cadeira vazia de sua mesa, completou com um sorriso – Mas, já que por acaso passou por aqui, sente-se e coma.

    João estava esgotado, andava a horas, tornando tentador seu humilde convite de relaxar em uma cadeira e descansar seus braços em uma mesa. Vagarosamente ele deixa cair seu peso sobre a cadeira, que range em pelo menos três lugares diferentes em reclamação de seu peso. Sentado e fazendo todo o possível para não sobrecarregar as frágeis pernas do assento, sua visão frontal dava em uma antiga mesa que possuía grandes valas em sua madeira, onde acumulava um tenebroso lodo e formava poças de cervejas recém derramadas. João pensou melhor na oferta. Acabou acomodando-se, sem graça, ereto na cadeira rangedora e recolhendo seus antebraços de tecido fino em seu colo.

    - Então – disse o homem - vamos tratar de conseguir uma caneca cheia para você, e cerveja para reencher a minha. – com a caneca vazia suspensa ao ar e com um forte grito, ele chamou a atenção de uma das atendentes do outro lado do estabelecimento. Confiante em seu vocal, gritou dali mesmo – Me vê mais uma rodada de cerveja e um frango recheado. – sem ao menos confirmar o entendimento do pedido, voltou-se para o João – Daqui a pouco chega.

    A taverna estava lotada, e João duvidava muito que seu pedido iria ser entregue antes que a fome grunhisse em seu estômago. Sem escolha e rendido pelo cansaço, decidiu tapear sua angústia puxando assunto com seu ensebado companheiro.

    - Então, é normal esse lugar ficar lotado assim? Apesar de seu aparente sucesso, nunca ouvi falar.

    - É natural que nunca tenha ouvido falar, poucas pessoas tiveram a oportunidade de estarem aqui, e quando têm nunca se esquecem, por isso seu sucesso.

    - Não me leve a mal. – João olhava ao redor com desconfiança – Mas, o que são vocês? Para que todas essas fantasias? Por acaso fazem parte de uma companhia de teatro?

    O homem gargalhou alto e por um longo período não se preocupou com o constrangimento que causava em João. Depois de respirar fundo, respondeu:

    - Tinha até esquecido que você era novato. – dizia ele ainda com resíduo de uma boa gargalhada - Não, não faço parte de nenhum teatro. Na verdade, apesar de já ter escutado essa palavra antes, desconheço seu significado. Apenas nos vestimos de acordo com nosso povo e com o nosso tempo, pode parecer surreal, mas esse lugar não pertence a nenhum lugar ou tempo específico.

    - Como assim não pertence a nenhum lugar ou tempo específico? – João apresentava um leve sorriso no rosto, achando que seu mais novo amigo de caneca estava demonstrando seus primeiros sinais de bebedeira.

    - É como se ela não estivesse limitada a estar em apenas um determinado lugar ou tempo. Por exemplo, onde você acha que está?

    - Como assim onde eu acho que estou?! Em São Paulo evidente, como todos nós.

    -Ai que se engana, não estamos. Você de certa forma, até que está, não aqui dentro dessa taberna, mas no momento que sair por aquela porta, estará pisando no chão e respirando o ar desse tal lugar. Enquanto o resto de nós, está nos mais variados lugares e tempos existentes.
    João apesar de achar esquisito, achou extremamente hilariante tais palavras, e apesar de não emitir nenhum som, sua gargalhada ecoou alto dentro de si, fazendo sinfonia com o rosnar de seu estômago.

    - Desculpe – disse João – Mas não posso acreditar em algo assim, não ainda sóbrio.

    - Não se preocupe, a maioria não acredita de primeira. – o homem se levantou e com um forte grito perguntou para um pequeno homem que estava sentado em uma das mesas da taberna – Shia-bou, diz onde você está.

    Ele era de estatura baixa e possuía pequenos olhos puxados, sua cabeça era coberta por um grande e redondo chapéu de fibras de bambu e palha, onde escondia grande parte de sua face, seu grande e fino bigode era o que mais se destacava por baixo da aba. Com uma voz fina causada por um propenso diminuto pulmão, respondeu:

    - Estou no noroeste da China meu caro, mais especificamente na rota da seda. Caminhava pela estrada de chão como muitos comerciantes, quando avistei um pequeno santuário ao lado da estrada, com intenção de pedir proteção para a viagem, acabei entrando, e parei aqui.

    Ele novamente senta na cadeira e volta-se para João.

    - Já eu, estou nas ondas calmas do mediterrâneo. Sou comandante de um navio pirata e após um cansativo dia de navegação, desci as escadas da proa para entrar em minha cabine particular, e acabei aqui. Essa é minha segunda oportunidade que tive em estar aqui, acredite, poucos tem essa honra. Se sair por aquela porta, está taberna sumirá e só aparecerá novamente se você merecer. Aproveite essa chance.

    - Como assim por merecer?

    - Só os grandes contadores de histórias possuem a oportunidade de estarem aqui.

    - Grandes contadores de histórias? – balançando sua cabeça em sinal negativo completou – Eu não sou um contador de história, muito menos um grande. Nunca contei uma história em toda minha vida, como poderia ser um?

    - Acredite, se você está aqui, porque é um verdadeiro contador de história. Sabe, para ser um bom contador, não precisa de prática, ou de uma boa voz, de uma clara dicção, nem de se comunicar bem em público, apenas ter algo único e interessante a se contar. Pessoas como nós, eu e você, enxergam o mundo com olhos diferentes, através de nossos gostos e pensamentos distintos, sabemos de coisas que todos desconhecem. Essa é a passagem para se estar aqui.

    Apesar dele ainda não acreditar em toda mágica que estavam lhe contando, ficou sem resposta. Ele meditava silenciosamente junto com a dor de sua fome, imaginando em sua mente, mesmo que com pouca possibilidade, a existência de tal lugar singular.

    - E ai, não acha magnífico esse lugar? – pergunta o homem, finalmente quebrando sua meditação.

    - Sim... – Sua única palavra mencionada soou fraca, mas sincera, e do fundo do coração ele realmente achava incrível aquele lugar. Não por toda sua variedade de pessoas e muito menos por acreditar em toda aquela história; a sinceridade de sua palavra vinha da cena que se repetia dês que ele entrou naquela taberna. As pessoas de lá conversavam com todas as outras, elas falavam com as mesas ao lado, papeavam com pessoas de lugares distantes, sentavam-se, levantavam-se, trocavam-se de lugar continuamente, não existia um lugar marcado ou pré-ordenado. Diferentemente da cena que João estava acostumado a presenciar em seus costumeiros jantares em restaurantes quatro estrelas, onde todos estavam limitados a conversar apenas com as pessoas de suas mesas, com a punição de ser taxado de chato e inconveniente se quebrasse essa importante regra.

    - Tem apenas uma coisa que não faz sentido em sua afirmação – dizia João – Se todos vieram de lugares e tempos diferentes, como todos se entendem e compreendem-se? Afinal, aposto que não falam o mesmo idioma.

    - É uma boa pergunta. Alguns dizem que os contadores de histórias conseguem se compreenderem através da semelhante ferramenta de conversação, a necessidade da inovação ou o êxtase do conhecimento diferenciado. Mas, para mim, essa resposta é aveludada demais, plumagem demais pro mesmo assunto. Apenas digo que desconheço a resposta, apenas não entendo seu funcionamento.

    Repentinamente uma alta voz sobrepôs todas as outras da taberna, ela era forte e demonstrava confiança, e mesmo João não conseguindo identificar sua fonte, escutava com clareza sua mensagem.

    - Temos o primeiro contador! Vamos, arrumem-se, as histórias irão começar.
    O pirata, seu mais novo companheiro de conversa, levantou-se rapidamente da cadeira e João instintivamente o acompanhou. Com um largo sorriso ele estendeu sua cabeluda mão e disse:

    - Bem, chegou a hora, foi um prazer trocar idéias com o senhor. Meu nome é Henry Morgan.

    - O prazer foi todo meu – disse apertando sua mão – Meu nome é João.

    - Gostei, um nome nada comum – dizia ao mesmo tempo em que sumia na multidão de pessoas que se levantavam de suas cadeiras.

    - De onde eu venho é bastante comum... – sua voz enfraqueceu até sumir completamente, sabendo que o homem não mais podia lhe escutar.

    A taberna se transformou em um turbilhão de pessoas desorientadas, e após alguns minutos João compreendeu a intenção de todo aquele arrastar de mesas e cadeiras. Depois de algum tempo de desordem e estridente barulho, o salão principal da taberna apresentava uma longa mesa no centro, que era formada pelo aglomerado de várias das pequenas mesas que existia. Com o término da arrumação, todos foram logo se acomodando, e João como um fiel penetra desentendido, foi arrastado pela forte maré. Quando deu conta de si, estava sentado numa das cadeiras do contorno da grande mesa, como a maioria estava, apenas uma pequena minoria teve que se contentar em ficar de pé pela falta de lugar.

    As atendentes pelo visto, julgando que mais nenhuma comida saia da cozinha, tinham encerrado seus expedientes, elas agora se limitavam em apagar os lampiões que ficavam no alto das paredes. Logo toda taberna adentrava numa espessa escuridão, e a completividade do enegrecido só não reinava por causa de três grossas velas, que emitiam sua amarelada luz em cima da longa mesa. Uma colocada no centro e as outras duas nas extremidades. A taberna, diferentemente de antes, apresentava agora um marcante aspecto sombrio; as velas derretiam-se vagarosamente enquanto iluminavam apenas o limite da grande mesa, suas chamas bruxuleavam em obediência a algum sopro fantasmagórico, que davam uma tonalidade irregular as faces centradas que rondavam a mesa, às vezes amareladas demais, outras demasiadamente escurecidas. O silêncio inconscientemente foi de total acordo, todos esperavam educadamente em suas cadeiras pelo primeiro contador de histórias. O espaço vazio do salão que não era tocado pela amarelada luz era um território desconhecido, onde só se ouvia o andar dos saltos das atendentes sapateando no escuro, sabe-se lá fazendo o quê. Poucos se sentiam confortáveis com uma misteriosa escuridão atrás de suas costas, e as mentes mais fracas chegavam a imaginar o respirar de desconhecidos em suas nucas; mas João não estava com cabeça para tais infortúnios, seu total esforço era focado em conter a fome que reclamava por compreensão, seu corpo contorcia-se involuntariamente à procura da melhor postura para enganar sua megera, e no meio de seus contornos reconheceu uma face entre tantas outras desconhecidas enfileiradas, o Henry Morgan. Sua bochecha continha um fraco tom amarelado e sua barba fundia-se com a escuridão, estava longe e do outro lado da mesa, fora do alcance de um olá. João entristeceu-se ao relembrar de uma de suas frases, “daqui a pouco chega”, entristeceu-se mais ainda ao descobrir que ele estava enganado. Repentinamente um homem se levanta de sua cadeira, na lateral esquerda da mesa, e pronuncia:

    - Bom, cavalheiros e damas, serei o primeiro contador e espero que desfrutem de minha excêntrica história como eu tenho certeza que desfrutarei das suas. – sentando novamente em sua cadeira, terminou – Que tenhamos uma bela troca de opiniões e pontos de vistas.

    João estava concentrado no homem quando uma mão feminina, vinda da escuridão de suas costas, passa num rasante próximo ao seu pescoço, deixando uma caneca cheia de cerveja e uma tigela com frango recheado. A mão do mesmo jeito que surgiu da escuridão recolheu-se a ela, e foi-se embora sem dizer uma palavra. Ele teria pulado e berrado como mulherzinha de susto se não fosse pelo seu senso apurado de vergonha, que permitiu-lhe apenas demonstrar um acelerado bater de coração e um forte respirar. O frango estava dourado e escapava um prazeroso aroma, enquanto a cerveja demonstrava a única característica de um bom líquido, a capacidade de saciar uma sede. Sem talher e despossuído de paciência para etiqueta, estilhaça o frango com as suas próprias mãos, espremendo-o entre seus dedos, sentindo sua consistência e seu calor. Levava com a ponta de seus dedos, grandes pedaços de carne a sua boca, aonde escorria um líquido amarronzado em seus cantos, delatando uma sobrecarga de frangos regados a grandes goles de cerveja. O homem, formalmente vestido, conhecedor nato dos modos sociais, agora via-se comendo como um animal selvagem, sujando e borrando seu terno de fino tecido, que antes valeria várias vezes mais do que aquele prato de comida. Em um breve momento de descanso que tomou ao levantar sua cabeça de cima da tigela para respirar, avistou seu amigo Henry Morgan, que também estava debruçado em uma tigela com frango, que reparou e devolveu-lhe um olhar acompanhado de um largo sorriso cheio de pedaços de frangos grudados entre os dentes, como se ele dizia: “eu não avisei?”. Em resposta o João imitou fielmente o sorriso. Era um sorriso sincero da parte dele, realmente estava feliz, um pouco pela parte de Henry Morgan estar certo e um pouco por agradecimento da atendente desconhecida ter esticado um pouco mais seu horário de expediente, provavelmente foi o ultimo alimento servido naquela noite. O homem da lateral esquerda da mesa novamente começa a falar:

    - Começarei agora a narrar minha história. – era um homem alto e magro, seus olhos eram fundos e sua bochecha sugada, vestia-se com um casaco preto acompanhado de uma cartola negra – Peço que agora fiquem em silêncio para melhor entendimento. – João escutava com atenção o homem, e em sua mente tinha a certeza que mesmo que sua história não lhe agradasse, comendo aquela comida, ele apreciaria aquele momento – É sobre...

    História de autoria do Medíocre d'medium

  5. #5
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    Opa, oi.
    Mesmo com a minha demora em comentar, consegui ser o primeiro. Achei que não veria uma seção mais morta que o Histórias, mas esta leva o prêmio.

    Quanto a sua história.
    Gostei desse capítulo um, ele me deixou ansioso, embora não super empolgado, para ver o que vai acontecer depois. Gostei da idéia da Taberna dos Ímpares. Já era óbvio pelo título e pelos acontecimentos da introdução que ela não seria um lugar comum.

    Só achei um pouco estranho o fato de pessoas com costumes, gostos e épocas diferentes, que aparentemente nunca se viram antes, se darem tão bem. De fato, João me pareceu um dos personagens mais "tímidos" presentes na Taberna, enquanto os outros não possuíam inibição alguma, e conversavam como se fossem velhos amigos. Mas, ok, sem grandes problemas.

    Você escreve bem. Consegui manter-me focado na história sem perder a concentração e sem cansar, mesmo este sendo um texto um tanto quanto grande.
    Bem, estou esperando para ouvir a história do homem de casaco preto e cartola negra.

    Até mais.




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  6. #6
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    Post duplo, apaguem, por favor. Perdão.
    Última edição por Ldm; 27-08-2010 às 20:32.


    "Este tem sido o problema dos místicos. Alcançam o Definitivo, mas não podem relatar aos que lhes vêm após. Não podem relatá-lo a outros, que gostariam de ter essa compreensão intelectual. Tornaram-se um com o Definitivo. Todo o seu ser o relata, mas a comunicação intelectual é impossível. Poderão dá-lo a ti, se estiveres pronto para recebê-lo, poderão permitir que o alcances, se também o permitires, se fores receptivo e aberto. Mas as palavras não farão isso, os símbolos não ajudarão, teorias e doutrinas não serão de uso algum."

  7. #7
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    Super atrasado, perdão. E a seção não mudou nada :o

    Bom capítulo. O estilo de escrita continua uniforme, com algumas (mesmas) excelentes colocações, que não citarei por falta de ânimo. É triste.

    Não me leve a mal, mas a ideia continua nebulosa, ao meu ver. Nada muito concreto; pelo título, o leitor já imagina que o foco principal é a taverna. O problema é que essa parafernalha toda de "contador de histórias", "local atemporal onde todos são felizes", não passa mais tão fácil pela minha garganta; um toque especial no enredo, talvez...

    Observação precipitada, é verdade.

    Agora, sobre esse concurso(?) de histórias, vai ser algo... estranho. O fato de você narrar uma história, como você faz com "A Taberna dos Ímpares" é totalmente diferente de narrar a narração de uma história. No local descrito, reúnem-se os melhores contadores de história, de modo que a história que o personagem contar terá de ser original, de personalidade, e uma boa história, claro; vai precisar de certa versatilidade. Um romano não contaria uma história do mesmo jeito de um índio. E tem o outro ponto: a oralidade. Alguns recursos são válidos para um gênero, outros para o outro.

    Enfim, você deve ter pensado nisso tudo. Alguns erros de digitação, também não citarei.

    Abraços.


    "Este tem sido o problema dos místicos. Alcançam o Definitivo, mas não podem relatar aos que lhes vêm após. Não podem relatá-lo a outros, que gostariam de ter essa compreensão intelectual. Tornaram-se um com o Definitivo. Todo o seu ser o relata, mas a comunicação intelectual é impossível. Poderão dá-lo a ti, se estiveres pronto para recebê-lo, poderão permitir que o alcances, se também o permitires, se fores receptivo e aberto. Mas as palavras não farão isso, os símbolos não ajudarão, teorias e doutrinas não serão de uso algum."

  8. #8
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    Fala pessoal. Quer dizer, fala Gabriellk~ e Ldm. Novamente agradeço aos comentários dos dois cavalheiros distintos.

    Gabriellk~: Pois eh... aqui é um dos poucos lugares ainda existentes no mundo em que você não precisa pegar uma senha e enfrentar fila. Não importa o quanto demore, provavelmente será o primeiro. Valeu pelos elogios, e realmente é um pouco estranho todos se darem bem, mas sei lá, eles são especiais, usam a mesma ferramenta de conversação . Também não necessariamente todos se dão bem.
    Obs: Carai, ri muito. Agora que percebi que no seu avatar o cara está segurando um rifle. Sempre achei que era um arco.

    Ldm: Pois eh... uma de suas características, ela é imutável. Sobre a diferença de como ela é contada, realmente você tem razão. Já tinha pensado nisso, mas realmente vai ser difícil, provavelmente faltará conhecimento para fazer tudo nos conformes, já que abusarei de várias etnias e tradições. Mas, fazer o quê, paciência né .

    Acho que eu apelei pessoal, nem vou falar a quantidade de páginas de Word pra nego não assustar uahuaau. Provavelmente foi o maior post dessa seção. Acho que assustarei os poucos leitores que eu tenho, fazer o quê, não é meu estilo escrever pouco .



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    - Começarei agora a narrar minha história. – era um homem alto e magro, seus olhos eram fundos e sua bochecha sugada, vestia-se com um casaco preto acompanhado de uma cartola negra – Peço que agora fiquem em silêncio para melhor entendimento. – João escutava com atenção o homem, e em sua mente tinha a certeza que mesmo que sua história não lhe agradasse, comendo aquela comida, ele apreciaria aquele momento – É sobre...


    Capítulo I - Primeira História (Parte II)


    Vingança



    Em um limitado espaço de terra, dois importantes reinos eram vizinhos, cada um chefiado por um grande rei. Esses gigantes impérios espremiam-se entre os atributos daquela terra, cada um tentando arar mais campos do que o outro, girar mais moinhos e recolher mais redes de pesca. Inevitavelmente o desentendimento floresce. O ódio cria-se. Com ele xingamentos foram pronunciados, rótulos fixados e insultos inventados. A intolerância forja-se. Atos agressivos, superioridade, maldade, sangue e morte. A vingança nasce.

    Esse é o passado daquela terra, tão velho e longínquo que poucos recordam dos motivos das desavenças. Já agora, não mais importa, gerações já foram criadas para odiar. Agora, virou lei.

    Em um desses reinos, na frente do portão do castelo, encontrava-se um velho homem. Ele encarava com audácia os dois guardas reais, uma habitual dupla de uniformes avermelhados, pares de espadas e rostos juvenis. Já a dupla, via-se de frente com um esquisito ser, fino até aos ossos, pele seca, careca e completamente nu se não fosse pela sua tanga amarronzada.

    - Queria falar com o rei – disse subitamente o velho esquisito – Sabe, o assunto vai lhe interessar.

    - E posso saber que assunto seria esse? – disse um dos guardas do portão, mais formalmente do que sua educação permitia.

    Atrás do velho, pessoas passavam ininterruptas pela rua, perdidas em seus problemas.

    - Um magnífico presente, e pretendo dar ao rei se me permitirem. Mas agora, se me perguntarem qual magnífico presente seria esse, não poderia responder, o assunto só diz respeito a ele – apontou seus velhos dedos para dentro do castelo. E os guardas ficaram espantados com a pelanca que despencara de seu bíceps.

    - Não quer dizer? Então não diga, na verdade pouco me importa, sabe por quê? – perguntou o mesmo guarda – Porque duvido muito que um camponês tenha algo que me interessa, e se não tem nada que me interesse, quanto mais para sua majestade. Tenha respeito, fique em seu lugar, ele é um rei. Tudo que você afirmar possuir, ele já vai ter ou poderá conseguir.

    - Eu tenho que insistir – dizia o velho humildemente, sempre olhando para as botas dos guardas – se não tenho nada que lhe interessa senhor, é porque o presente não é para seu interesse.

    - Saia daqui, seu saco de bosta! Pode insistir o quanto quiser, implorar de joelhos ou até espernear como uma cabrita ao tirar seu leite, que você nunca irá passar por esse portão. – sua voz era ameaçadora e alta, e seus dedos apontados para cara do velho davam peso à afirmação – Essa passagem atrás de mim é para a corte, e mesmo que em um mundo distorcido você fosse um nobre, hoje não atravessaria, o rei está indisposto. Ainda assim se isso não bastasse, hoje acordei com um péssimo humor, deixei minha linda mulher na cama com tosse, e vim fazer papel de bobo da corte em frente a esse portão, e só para quê?! Só para dar de cara com um saco de bosta que nem você, que por sinal, odiei pela primeira vez que vislumbrei o brilho errôneo de sua careca enrugada. E agora sendo sincero, mais do que fui em toda minha vida. – ele contorceu levemente seu nariz - Você F-E-D-E. Agora entendeu?! O destino me deu um sentido, concentrou tudo de merda que eu pisei hoje, só para esse momento, para nesse momento eu dizer de boca cheia. NÃO! – o grito ecoou alto nas ruas da cidade, mas ainda sim, as pessoas passavam ininterruptas pela rua, perdidas em seus problemas.

    O velho nada disse, nem parecia chocado. Seus ouvidos escutaram tudo muito bem, mas seus olhos pareciam indiferentes, não piscara um instante. Sua visão concentrada abria caminho por entre os guardas e adentrava ao portão, e seus pensamentos sussurravam-lhe: “Se não fosse por esses guardas”. Como um bote de cascavel, o velho habilidosamente tira uma machadinha de suas costas, suspendendo-a no ar, na máxima flexibilidade das juntas enferrujadas de seu braço. Pobres guardas, seus músculos travaram e suas faces enviavam sinas de presa. No pouco tempo de reação que o velho lhes proporcionou, metade foi gasta aos gritos em suas mentes: “DE ONDE ESSA AMEIXA SECA TIROU ESSE TRONCO LAMINADO?!”, a outra metade foi- se embora num instante, admirando o reluzir da luz solar na lâmina. Com um brusco golpe e um corte seco, ouve-se um som oco. No chão, jazia toda ensangüentada a mão direita do velho, seu braço esguichava cachoeiras de sangue. Aliviados e abismados demais para agir, os guardas só tinham forças para berrar no reino de suas mentes: “MEU DEUS, LOUVADO SEJA. O VELHO MALUCO CORTOU SUA PRÓPRIA MÃO!”.

    Dois guardas estremecendo medrosamente, um velho pálido tentando controlar a enxurrada de sangue que saia de seu cotoco-braço, e uma mão ensangüentada no chão. Agora sim, agora pessoas acumulavam em volta, formando um compacto círculo de curiosidade, interrompendo brevemente os problemas de suas vidas.

    *Quinze minutos depois.

    Hahahaha – a gargalhada do rei ecoava alto no salão – Sabe, quando me contaram eu não acreditei, tinha que vê de perto esse magnífico homem. – de sua aveludada poltrona o rei falava alto para quem tivesse ouvido, mas principalmente para o velho ajoelhado no centro do salão.

    O salão era enorme, mas grande parte dele era ocupada pelo nada. Uma graciosa poltrona de veludo avermelhado e duas mesas baixas de madeira, esses eram os únicos moveis do salão. As baixas mesas eram recheadas da melhor comida do reino. A da esquerda exibia no centro um apetitoso ganso assado, onde variados pratos de comida o circundavam em reverência, pratos esses em que a língua seca do moribundo velho jamais teve a oportunidade de saborear. A da direita preenchia-se das mais variadas frutas, com todas suas formas e tamanhos diferenciados que a natureza possa oferecer, suas tonalidades iam do mais puro branco até ao mais corrupto negro, tornando um banquete comestível de arco-íris. As duas mesas posicionavam-se de certa forma que separavam com eficácia o indigente velho da grandeza de vossa majestade. O rei era um homem de meia idade, cabelos curtos e barba feita, uma de suas mãos repousava suavemente sobre sua tímida pança, que avolumava sua majestosa camisa branca de fina seda. Os outros integrantes do salão era um cozinheiro que equilibrava sua bandeja em cima de uma das mãos e três réplicas idênticas de um típico guarda real, dois em cada lado do velho e um ao lado do rei. E claro, um modesto velho ajoelhado.

    - Fiquei sabendo que tem uma proposta para me oferecer – dizia o rei com suspeita alegria – Mas, realizando ou não a oferta, não importa, sinta-se vitorioso. Afinal, poucos nobres já estiveram aqui, nesse cômodo de minha intimidade. Mas olhe você ai, claro, sem uma das mãos, mas ainda assim, olhe você ai!

    - Não é uma proposta majestade, e sim um presente – disse o velho com certa fraqueza, tentando esquecer a dor latente do ferimento de seu braço, que já se apresentava enfaixado e com o sangue contido.

    - Mas com esse presente não quer nada em troca?

    - Não – disse secamente – É um presente, algo verdadeiramente dado, livre de qualquer retorno obrigatório.

    - É, tem toda razão, não é uma proposta. – com um grande sorriso acrescentou – Então que venha o presente.

    O velho imediatamente recuou sua única mão que lhe restara, enfiando-a atrás de suas costas, desaparecendo-a totalmente da visão de todos daquele salão. Junto a ela, de mãos dadas, fora todo o dever de atenção, como se o artista principal de uma peça tivesse saído para mijar no clímax da história, e todos sentados na platéia poderiam se espreguiçar ou trocar banalidades com os vizinhos de poltrona, sem temer represarias. Por poucos segundos, livres de qualquer atenção obrigatória, todos os seres pensantes daquele lugar aprofundaram-se em seus mais íntimos desejos:

    O rei deliciava-se com o futuro próximo: “Acho que vou pegar mais uma coxa daquele ganso assado”;
    O guarda do lado direito do velho imaginava sonhos consumistas: “Aquele ganso assado está com uma cara ótima, daria tudo por uma bocanhada”;
    O guarda ao lado do rei planejava planos maquiavélicos: “Se aquele plebeu de merda puxar algo pontiagudo e aproximar-se do rei a galope, irei impedi-lo tacando, com um ponta pé, a bandeja de ganso assado em sua direção, distraindo-o suficientemente para perfurar seu imundo coração”;
    O guarda ao lado esquerdo do velho entristecia-se com seu olfato: “Esse velho fede, mesmo que o rei me oferece-se aquele belo ganso, não teria estomago para tal”;
    O cozinheiro sussurrava veracidades em seus pensamentos: “Isso, devore todo o ganso assado seu reizinho metido à besta, espero que aproveite meu tempero especial”.

    Os poucos segundos se passaram, e logo os cinco dedos se revelaram de trás do velho; que agora, em seus domínios, continha uma perfeita maçã avermelhada. Todos imediatamente acordaram de seus pensamentos, focando novamente a estrela da peça, que finalmente retornara de sua mijada. Agora um novo ato estava preste a começar, e nele continha, diferentemente do outro, três personagens. O misterioso velho, sua asquerosa única mão, e a que acabara de entrar em cena, que por sinal tinha tudo para ser o mais novo astro, a maravilhosa maçã.

    - Esse é o meu presente – disse por fim o velho, e antes que qualquer um indagasse a coerência daquela cena, continuou – Cavalheiros, tomem cuidado, não deixem seus olhos lhes enganarem. A silueta desse presente não é importante, mas o que ela representa. Seu gosto adocicado é apenas um atrativo, um embrulho para o verdadeiro presente. Depois de degustá-la, com seu paladar, o saboroso de seu alimento, que sua real dádiva o abençoará, a imortalidade.

    O silêncio instalou-se no salão. Segundos... minutos se passaram. E ainda o vácuo era a única coisa berrante daquele lugar.

    O rei adorava piadas, viajava em busca de bobos da corte em reinos longínquos só para ter os melhores. Mas esse homem, em sua frente, era fenomenal. Um puro osso, quase que completamente despido, com poucos invernos ainda de vida, afirmando possuir a imortalidade entre os seus magrelos dedos. Uma piada digna de uma boa gargalhada, na verdade, já gargalhou com piadas piores; mas mesmo assim, desconhecendo o motivo, o salão ainda continuava sendo reinado pelo silêncio, onde sua fina camisa de seda grudava em seu corpo ensopado de temeroso suor.

    - Imortalidade? Você disse... – a voz do rei enfraqueceu até não ser mais ouvida.

    - Sim, majestade. Imortalidade. Lâminas frias perfurarão seus órgãos, retirarão seu sangue, lhe causarão gritos de dor, mas seus inimigos não lhe matarão. Nada o matará.

    - Acho difícil acreditar que algo assim exista. Mesmo que fosse verdade – dizia o rei já recuperado de sua falta de voz – Quais as chances de um mero plebeu possuir algo tão valioso?

    - Tanto quanto um rei – disse fortemente o velho - Plebeu é só um termo criado para representar seu status de riqueza, e essa dádiva não se consegue através dela. Na verdade, poucas das dádivas presentes nesse mundo são submissas ao ouro.

    - Através do que então você a possuiu?

    - Poderia lhe dizer, mas abalaria seu senso comum. E acredite em mim, você não quer sacrificar sua normalidade. Afinal, não compreenderia mesmo. Entenderia, mas não compreenderia. Meu povo difere-se muito do seu, vocês nos nomeiam de feiticeiros, bruxos ou até companheiros do diabo. Minha linhagem possui coisas que a sua procura por toda uma vida, e nunca teremos coisas que a sua obtêm, quase que por direito, ao nascer. Portanto, não tente compreender, apenas aceite.

    O rei deliciava-se, inquieto e internamente, com tamanhas palavras e ousadia. Sem sombra de duvida era o melhor bobo da corte que já encontrara. Com pressa no desenrolar da hilariante conversa que presenciava, foi logo falando:

    - Mesmo assim, ainda não faz sentido. Por que você mesmo não come a maçã e ganhe sua dádiva? Afinal, feiticeiro ou não, imortalidade é tentadora, quem abdicaria dela?

    - Tem toda razão. Mas para mim não tem nenhum valor comparado ao que busco, desejo uma dádiva diferente, e se esse for o preço a pagar, pagarei.

    - E qual seria essa dádiva? – perguntou o rei ao mesmo tempo em que lambia seus gordurosos dedos de ganso assado.

    O velho fitou-o, e com olhos faiscantes disse:

    - Vingança – a palavra saiu pesado de seu pulmão, e segundos foram necessários para se recuperar - O outro reino, inimigo do seu, me acusou de bruxaria. Sua população me odiou e me caçou incessantemente, no processo meu único filho morreu. Agora quero que todos eles sofram e morram refletindo o reflexo de suas vidas, que todos sucumbem pateticamente.

    - Desculpe minha curiosidade – dizia o rei com audácia ironia – mas, como um presente poderia derrubar todo um reino?

    - Acredi...

    A imponente voz do rei foi logo atropelando as tremulas palavras do velho:

    - Nem pense nisso. É de conhecimento de todos que nossos reinos não se dão bem, mas nem por um minuto acredite que vingarei por seu nome. Agradeço pelo presente, como agradeço o de todos, e iniciar uma guerra está fora de meus parâmetros de gratidão.

    - Certamente, majestade. Sou velho, e velhos não mais carregam o vigor da ingenuidade – disse humildemente – Sei que a vingança é uma arte que se lapida com uma só mão. Mas ainda sim, a certeza paira ao meu lado. Reinos irão cair, e a escolha que tomará hoje será a causa. Digo-lhe a pura verdade, como minha linhagem é destinada a dizer. Eventos desordenados e metricamente prescrevidos irão dar sentido ao que falo, mesmo que nesse instante não acredite, me de um voto de confiança, minha linhagem é digna dele. Não somos amorosos e nossos atos a outras linhagens dificilmente são bondosos. Nenhum bem o meu presente lhe fará, e a impura astucia é nos destinada assim como a pura verdade. – o velho deu um longo suspiro e com face de imparcialidade completou – Mesmo lhe dizendo isso tudo, você aceitará de bom grado meu presente, mortal nenhum resiste à imortalidade. E no fim de sua vida, se for esperto o suficiente, irá compreender o início da destruição que o cerca.

    Por algum motivo desconhecido, o rei não mais se divertia com a incomum conversa, talvez por culpa das palavras, que saíram afirmativamente e a sons de confiança, ou talvez pelo lustroso ganso assado não acomodar-se muito bem em seu estomago real. Sua majestade logo optou, sem hesitar, pela segunda opção. Desconsertado da um pequeno riso instintivo e diz:

    - Peço como favor, quando esse dia chegar, que me faça compreender.

    O velho seriamente acena com a cabeça.

    Apesar do escorrimento de alguns minutos dês da chegada do avelhantado personagem, tempo esse passado ligeiramente para uns, demoradamente para outros, o salão ainda continha a mesma pintura na tela. Um cozinheiro propositalmente desleixado, três guardas padronizados, um rei relaxado e um velho ajoelhado, que apresentava uma perfeita maçã avermelhada em sua única mão levantada.

    O rei, com um preguiçoso sinal, aponta para a maçã, e num instante, como se tivesse concursado para isso, o guarda próximo ao velho toma a maçã de sua ancestral mão e entrega para o rei. Ele por sua vez, já com a maçã entre seus dedos, examinava-a com ar de descrente, girando lentamente próximo a sua face, sentindo cautelosamente seu aroma proibido.

    Relaxadamente aconchegado em sua poltrona, o rei, ainda girando-a habilidosamente entre seus dedos, finalmente se pronuncia:

    - Ela possui o peso, o cheiro e a cor de uma maçã normal, como pode me garantir que não seja uma delas? Ou melhor – disse o rei sem ao menos dar espaço para respostas – Como você pode me garantir que sua anomalia não seja nada desagradável? Afinal, já ordenei muitos enforcamentos e presenteei muitos de sua gente com o calor das fogueiras. Como posso desencucar uma vingança sua a minha pessoa? Como posso não relevar uma maçã envenenada?

    - Temo que nesse caso eu não lhe possa provar majestade. Tenho apenas uma maçã, e a receita da imortalidade requere todo seu peso. Se tirar um pedaço, por menor que seja, para testá-la, o restante será insuficiente para seu próprio uso, e logicamente a cobaia também não terá o bastante para seu sucesso. Se o pedaço tirado tiver a finalidade de testar sua pureza sobre substâncias venenosas, também falhará. O veneno pode ser de um tipo que só em grande quantidade age como um, e novamente a cobaia não obterá o suficiente, fracassando em seu propósito. Enfim, coma afoitamente se acreditou ou de para seu pior inimigo se desacreditou.

    O rei nada disse. Ninguém nada disse. Não tinha nada a se disser. Aquele era o ponto final, o fim da conversa, tudo pronunciado depois daquilo seria banal e desnecessário. E todos daquele salão o compreenderam.

    *Algumas horas depois.

    A milhas de distância daquele lugar, no reino vizinho e inimigo, o rei empunhava firmemente uma simplória espada. Era de tamanho médio e de lâmina reta e simples, onde sua metálica cor era emitida de seu ferro. Ele a suspendia no alto para vislumbrar toda sua magnitude, e involuntariamente, apresentava-a para todos ali presentes. Apensar da simplicidade da espada, o ambiente, uma escura cúpula aonde o único raio de luz vinha de um vitral de São Jorge que se direcionava atrás do rei, tornava muito mais impactante a cena. O físico do rei também não atrapalhava, jovem, musculoso, longos cabelos cacheados do mais forte loiro, e trajado com sua prateada armadura de batalha que continha uma avermelhada capa ondulante a ventos inexistentes. Tornava épica a cena, parecia o próprio Rei Arthur segurando sua lendária Excalibur. Sua majestade sempre colocava sua armadura de batalha para pedir favores aos seus santos, dizia ele: “Sempre esteja bem preparado ao encontro de seus demônios, e duas vezes mais para os seus santos, caso eles não te obedeçam, obrigue-os”.

    A cúpula, apesar de uma representativa casa divina, tinha um forte aspecto sombrio. Era bem pequena, e sua única fonte de luz era um jato luminoso que atravessava o vitral do altar, se recuasse um passo dele se encontraria cercado de trevas. O lugar era praticamente um círculo apertado de escuridão com um ponto de luz.

    O jovem rei, habilmente corta as sombras com sua espada e direciona, após golpes acrobáticos, a ponta de sua lâmina para as três silhuetas de homens que se mesclavam na escuridão, mas especificamente para a do meio, que apesar de estar coberta do negro vazio, podia-se ver claramente a singularidade do indivíduo, velho, careca, magrelo e com sua pele enrugada e seca quase que toda a mostra, menos pela parte em que sua tanga amarronzada cobria. Uma de suas mãos lhe faltava e seu cotoco enfaixado repousava em sua magra coxa, enquanto a única mão que ainda possuía cobria seu olho esquerdo, que apesar do esforço, mostrava um grave vazamento de sangue.

    - Então, deixe-me entender – dizia seriamente o rei – Você arrancou seu próprio olho, só para me presentear com essa magnífica espada? – Instintivamente todos naquela cúpula olharam de relance para o corpo sem vida que jazia no chão frio, corpo esse que pertencia a um grande cachorro, que por sua vez pertencia ao rei. Era um lindo dálmata, apesar do seu olhar vazio e de sua língua seca para fora, ele continuava encantador, um pouco mórbido, mas um mórbido encantador.

    - Sim – disse secamente o velho, que ainda tentava impedir o vazamento de sangue com sua única mão.

    - Em nome de Deus, quem arrancaria um de seus olhos só para me presentear, sem ao menos desejar algo em troca?

    - Peço desculpa, talvez tenha-me expressado mal, e por isso não tenha me compreendido. Desejo muito algo em troca, só apenas reconheço que isso está além de suas posses. Que vossa majestade e essa espada, são apenas os primeiros flocos de neve a se desprenderem, antes de uma avalanche.

    - E vale à pena perder a metade de sua visão por esse algo?

    - Vale. O que eu procuro, quando o encontrar, apreciarei da mesma forma com apenas um só olho. – disse o velho, e prevendo a próxima pergunta continuou – Procuro por vingança. – seu único olho faiscou em contato com essas palavras – O reino inimigo do seu, me acusou de bruxaria demoníaca. Como penitência, alimentaram uma fogueira com a carne de minha esposa. Escapei por pouco.

    Com um pequeno balançar vertical de sua cabeça, e expressões faciais de aprovação, o rei falou:

    - Sabe, apesar de não entender seus planos, admiro sua força de vontade em vingar a honra de seu ente querido, também faria tudo em meu alcance se estivesse em seu lugar. Mas furar o próprio olho ou desfazer de uma espada tão magnífica, – novamente todos ali presentes instintivamente olharam para o encantador corpo sem vida do dálmata – não sei se teria coragem, e olha que de todos os adjetivos que meus inimigos me descrevem, corajoso é o mais habitual.

    - Tenho certeza que se possuísse vingança em seu coração, teria coragem.

    - Bom, sinto muito, mas terei que interromper nossa conversa, ainda tenho muitos afazeres, incluindo implorar favores ao santos. – com um movimento de mão, o rei ordenou que as duas silhuetas levassem o velho.

    - Certamente, majestade – disse o velho enquanto ia sendo escoltado para fora da cúpula.

    Finalmente só. O rei mais uma vez maravilhou-se com a espada que empunhava, imaginando quanto poder lá dentro continha. A imagem do seu cão veio de supetão em sua mente, e amargamente as lembranças de minutos atrás lhe pegaram de surpresa. Lembrava com exatidão as palavras proferidas do velho: “Lhe dou a espada mais poderosa de todas, não a mais afiada, e sim a mais mortal. Qualquer ser vivo que for perfurado por essas lâminas, não importando sua onipotência, falecerá perante ela”. Com tamanho arrependimento, relembrou o seu ato irreverente em resposta. Ele jogou-se de joelhos ao lado do seu frio animal e afagando sua têmpora, sussurrou melancolicamente em seus pensamentos: “Mas foi só um arranhãozinho”.

    *Vinte e quatro horas depois desse dia.

    O rei Leonor, possuidor da maçã imortal, mandou guardá-la junto com seus maiores tesouros. Temeroso o bastante para prová-la e pouco descrente para desfazê-la.

    O rei Juan Carlos, proprietário da poderosa espada, a mantinha todo tempo ao lado de sua coxa, dentro de uma improvisada bainha. Incentivado pelos seus conselheiros, o jovem rei ordena uma massiva fabricação de espadas e armaduras, maculando em sua mente uma futura guerra, acreditando finalmente possuir uma força em que o reino inimigo não dispunha.

    *Um mês depois daquele dia.

    A informação vaza, o murmuro cresce, e logo o boato ganha vida nas ruelas das cidades. Todos comentavam sobre os hóspedes que os dois reis receberam, um anjo ou um demônio, dependendo da versão que lhe contavam, presenteando-os com magníficos tesouros. Uma maçã que oferecia ao desfrutador a imunidade da morte, e uma espada que concebia ao empunhador a mortalidade de qualquer vida.

    O rei Leonor, aflito por roubo pelo crescente boato, trancafia isolada sua maçã numa sala, seguramente fechada por grandes travas em que ele era o único possuidor das chaves.

    O rei Juan Carlos, sabido do boato da imortalidade do rei Primeiro, cancela qualquer investida de guerra contra o reino inimigo.

    *Cinco meses depois daquele dia.

    O povo acostuma-se com os divinos presentes, e comparações começam a surgir do tempo atual com o do antigo. Cria-se por brincadeira o termo dp (depois dos presentes).

    O fascínio do rei Leonor pela maçã aumenta, começa a visitá-la regularmente.

    O rei Juan Carlos orgulha-se de sua poderosa espada, exibi para todos que possam enxergar.

    *Sete meses depois daquele dia.

    Cria-se uma nova era naquela terra, popularmente os reinos novamente são batizados. O Reino da Maçã e o Reino da Espada.

    O rei Leonor, que antigamente era descrito como um sábio e experiente estrategista, hoje em dia, é apontado como o rei Leonor, o imortalizado.

    O rei Juan Carlos, que antigamente era reconhecido pela sua coragem, bravura e imprudência, hoje em dia, é chamado de o rei Juan Carlos, o empunhador da morte.

    *Um ano depois daquele dia.

    Novas superstições e lendas são criadas pelo povo daquela terra. No Reino da Maçã, cria-se o costume de chás de cascas de maça, para a cura de qualquer enfermidade; alguns chegavam inalar vapores de água fervente com polpas de maça, acreditando expulsar espíritos e exorcizar demônios. No Reino da Espada, cria-se a fobia de tal objeto, qualquer morte inexplicada e instantânea era de autoria do espírito mortífero que rondava em volta da famosa espada; alguns chegavam a desfazer de todas suas armas, com medo delas chamarem a morte para dentro de seus lares.

    O rei Leonor começa visitá-la diariamente, fica isolado e trancafiado em sua sala, admirando as voltas de sua bela maçã. Às vezes arrisca uma leve cheirada ou uma tímida lambida em suas curvas.

    O rei Juan Carlos, com sua espada em punhos, sente-se o homem mais forte entre todos. Começa a empunhar e rodopiar sua lâmina mortal imprudentemente, muitas das vezes, por cima das cabeças de seus criados, tudo para uma bela apresentação de batalha.

    *Dois anos depois daquele dia.

    Sua amada e querida rainha Beatriz, começa a notar as frequentes escapadas de sua majestade Leonor. Toda madrugada o rei deixa sua calorosa cama para visitar sua mais nova amada, a maçã. A rainha tira satisfações. O rei se irrita. Acontece a primeira briga, durante anos, do casal real. O ódio fagulha.

    O rei Juan Carlos, por um pequeno descuido de sua destreza, causado talvez por um dia ruim, arranha o braço de uma jovem serviçal, ela cai instantaneamente morta no chão. Seu pai, também serviçal do castelo, chora segurando-a em seus braços. O ódio fagulha. Espertamente, sua majestade manda o pai da menina embora, temendo conviver com uma pessoa que perdera sua filha por sua causa. Família humilde, pessoas insignificantes. Caso esquecido.

    *Dois anos e seis meses depois daquele dia.

    A rainha Beatriz, tristemente acostuma-se com sua rotina, com sua solidão, com sua fria cama. Faz tanto tempo que não recebe um afeto, tanto tempo que não é desejada, que jurou nunca mais chorar por ele. A intolerância cresce.

    O rei Juan Carlos, apesar de não demonstrar, abalou-se com a morte da jovem moça. Nesses últimos meses sua vontade e orgulho em demonstrar sua poderosa espada se esvaiu, consequentemente, sua espada pode descansar em sua bainha.

    *Três anos depois daquele dia.

    A rainha Beatriz conhece um charmoso nobre, nos famosos bailes da nobreza. Os dois se flertam, eles se identificam. Em resposta às atitudes do rei, ou falta delas, a rainha faz amor pecaminoso com o influente cavaleiro. A vingança nasce.

    O rei Juan Carlos recebe uma visita de seu filho primogênito, dezoito anos de puro orgulho. Ele lhe conta que foi humilhado na frente de toda a corte pelo Ádila, um dos mais fortes e habilidosos guerreiros do reino, na popular disputa de arena entre os nobres. Sua intenção era desafiá-lo novamente, mas desta vez, empunhando a poderosa espada de seu pai. Com ela, Ádila teria que se ajoelhar e render-se perante ele, ou arrisca ser morto por um acidental corte. O rei, não importando mais com sua espada, lhe concede o pedido. O jovem filho sai carregando sua espada, querendo resgatar sua honra; na verdade, muito mais que isso, caminhava em busca de vingança.

    *Três anos e uma semana depois daquele dia.

    O rei Leonor flagra sua fiel rainha cometendo atos vergonhosos com seu mais novo amado, o nobre Fariel. Totalmente enraivecido, o rei manda prende-lo e enforcá-lo pelo seu desrespeito real, dando-lhe, por compaixão, três dias de prisão antes de sua morte, tempo o suficiente para arrepender-se de seu crime. Mas o que o rei queria mesmo, era o seu sofrimento, sua doce vingança.

    O nobre Ádila descobre o imoral plano do jovem filho do rei, e proferindo: “Moleque manhoso e covarde” ao seu nome, invade sorrateiramente sua casa e rouba-lhe sua espada. Desejando ter uma luta justa, a esconde em sua residência. No seu quarto, sentado em sua cadeira e com a espada ao seu colo, alegra-se imaginando na luta do dia seguinte, deliciando-se com a possível lição que daria ao moleque insolente. Num deslize eufórico de vingança, corta seu dedão na lâmina fria da espada, e sem ter tempo de ao menos pensar em seu ato estúpido, morre.

    *Três anos, uma semana e uma noite depois daquele dia.

    A rainha Beatriz descrimina mentalmente a atitude do rei, e com maléficos planos amorosos sobre ele, consegue furtivamente a chave da sala que guarda a maçã. Na escuridão da noite, parte em direção a bendita sala, aquela que protegia com tanto afinco sua arqui-inimiga, com o giro de seu pulso e o estalar das trancas da porta, sequestra-a. Com passos de gato, caminha pelos corredores desertos do castelo, até a prisão subterrâneo onde seu amado aguardava sua morte. Com vingança em seu peito, presenteia o enjaulado com o bem mais precioso de seu algoz fúnebre, a maçã da imortalidade. Agora a forca não mais lhe tiraria o sono.

    O serviçal naquela noite, cumprindo seus afazeres domésticos, encontra seu patrão, o nobre Árdila, sentado sem vida com uma espada em seu colo. O criado, por um raro acaso de improbabilidade, reconhecia aquela espada, já avistara antes em seu antigo serviço ao rei, a espada que matara sua filha. Vendo mais uma vitima daquela demoníaca espada, sua mente corrompe-se com uma explosão de intolerância. Envolvendo-a com um pano velho, o serviçal caminha até a margem do rio mais próximo e arremessa-a entre suas correntezas, desejando do fundo do coração que mais nenhuma alma viva tocasse naquela espada. A vingança completa o ciclo.

    *Três anos e nove dias depois daquele dia.

    O nobre Fariel pertencia a uma rica e influente família do reino, e seu irmão ao saber do acontecimento, começou a contratar e reagrupar guerreiros de sua confiança para atacar o castelo real e resgatar seu irmão. Mas precisava de um bom planejamento para dar firmamento a sua vingança, afinal, atacar diretamente o rei era um ato perigoso e sem volta.

    A espada era leve e o pano ajudou-a não afundar, fazendo com que a forte correnteza do rio levasse a espada até ao reino inimigo, onde ficou pressa em uma das redes de pesca. Um humilde pescador a resgatou e reconheceu de imediato a espada, como todos daquela terra o fariam. Conhecendo o boato do desentendimento do irmão de Fariel com a realeza, levou-a para sua presença, com intenção de lucrar algumas moedas de ouro com a vingança alheia de outros.

    *Três anos, nove dias e cinco horas depois daquele dia.

    O irmão de Fariel, empunhando a espada da morte, finalmente cria coragem para sua vingança e ataca o castelo real. Seus homens abrem caminho à força até ao calabouço do castelo e lá resgata o seu irmão. Com a falsa confiança que a espada lhe deu, ele fica recuado, dando tempo para todos fugirem. A maioria dos seus homens e o próprio Fariel, carregando sua maçã, escapam com vida do castelo e a galope vão em direção aos domínios do reino inimigo. Já ele, é ferido mortalmente na fuga, e fica para trás com sua poderosa espada fazendo-lhe companhia.

    O nobre Fariel, paga o preço da imortalidade pela sua vingança. Oferecendo a maçã para o rei Juan Carlos em troca de sua hospitalidade e refúgio. O rei aceita, e imediatamente devora a maçã, seu corpo responde com uma forte sensação de poder, talvez pelo psicológico ou não, o rei sentiu-se invulnerável.

    *Três anos e duas semanas depois daquele dia.

    Apesar dos tristes acontecimentos: a fuga do prisioneiro, o desaparecimento da maçã e a possível traição de sua rainha; o rei Leonor considerava-se feliz, pois naquele instante, deslizava seus dedos no cabo da poderosa espada de Juan Carlos. Apesar de toda sua perda, ele encontrava-se confiante, pois de algum modo que ele desconhecia, a espada saiu dos punhos de Juan Carlos e veio parar em suas mãos, fazendo com que se sentisse na vantagem. Confiante em sua superioridade, mandou um mensageiro para o reino inimigo com a seguinte proposta: “Rendição e compartilhamento de suas riquezas ou guerra”.

    O rei Juan Carlos recebe formalmente o mensageiro, e sendo informado das duas propostas, escolhe sem hesitar. Afinal, apesar de receber de seu filho a notícia do desaparecimento de sua espada, ele agora continha, de algum modo que desconhecia, a imortalidade de Leonor. E com essa certeza em mente que seu grito ecoou confiante e alto de seu trono: “GUERRA!”.

    Agora aquela terra estava em estado de guerra, todos os conflitos alheios de vizinhos, raças e estados sociais adormeceram, e como mágica foram direcionados para um único foco, o reino inimigo. A guerra inspira atos desonrosos em toda sua estadia, e essa não seria diferente. Começou com o ataque sangrento de uma caravana. Dezenas de pessoas morreram. Em resposta, o outro reino sacrificou dezenas de seu gado, e suas carcaças foram deixadas na margem do rio para apodrecer. Centenas morreram com infecção digestiva. Em resposta, o outro reino espalhou sal em centenas de hectares de plantação. Milhares morreram de fome. Em resposta, o outro reino organizou milhares de soldados, para a única resposta possível, batalha direta em um campo aberto.

    *Quatro anos depois daquele dia.

    A planície que antes era colorida de um verde brilhante e manchada com pintas amareladas de tulipa, hoje apresentava uma massiva cor metálica. Seus antigos sons da passagem do vento e da cantoria das cigarras foram abafados, hoje seu único barulho emitido era um mesclado nada afinado de metais se chocando, cavalos relinchando e tambores de guerra. Eram dois grandes blocos de soldados, cada um pertencente a um reino, no centro eles se chocavam e lutavam ferozmente um com o outro. Os grandes tambores recuados mais atrás batiam forte dando coragem e ritmo à batalha, enquanto os soldados gritavam insultos para as mães de seus inimigos ao mesmo tempo em que se defendiam e atacavam. Era uma cena de confusão, armaduras amassadas, armas banhadas de sangue, bocas espumantes de raiva, olhos cerrados de fúria e corpos sendo pisoteados. Mas para um observador sagaz, a cena simplificar-se-ia em um leque de variedades de vingança. Vingança empunhadora de pesados machados que abriam enormes fendas nas latarias das armaduras ou crânios desprotegidos, arcos vingativos que expeliam flechas afiadas com tamanha frequência que os dedos sangravam com o bater das penas, espadas vingativamente manejadas para perfurar os pontos fracos das armaduras, vingança montadora de grandes cavalos de guerra que eram treinados a seguirem em frente, mordendo e pisoteando o inimigo, não se importando com a dor ou perigo.

    A guerra era um jogo feito com brutalidade e força bruta, mas suas vitórias eram sempre conquistadas com inteligência e astúcia. Um jogo de sábios jogado por ogros. Suas estratégias eram infinitas, e a variedades de elementos que tinham de ser considerados tornavam-na imprevisível. Mas, para uma que já começara e que agora não bastava de um emaranhado de homens se mutilando no centro, não havia muito do que pensar. A batalha consistia em três grandes pelotões de soldados, o do centro, o da ala direta e o da esquerda. Nesse ponto, o rei recuado mais atrás, montado em seu cavalo para ter uma visão ampla da guerra, só podia mandar reforços aos pelotões que estavam perdendo e sendo empurrados para trás, para que nenhuma linha de defesa fosse perfurada pelo inimigo. Só podiam torcer para que os tambores inflassem a quantidade necessária de coragem em seus combatentes, para que não largassem suas armas, e corressem para fora do campo de batalha, batendo em retirada. Senão, seria como caçar raposas num gramado ralo salpicado delas.

    O rei Juan Carlos, em cima de seu cavalo, assistia com atenção o desenrolar da batalha. Em todo aquele enorme corpo massivo de soldados, via-se vários portas-bandeiras exibindo do alto, seus mais variados brasões de família, cada um pertencente a um nobre que continha seu próprio pequeno exército, ou mercenários que acumularam riquezas com espólios de guerras e resgates de ricos nobres capturados, o suficiente para ter seus próprios soldados. O rei Juan Carlos e alguns nobres posicionados mais atrás, notaram o oscilar da ala esquerda, sua defesa não mais agüentava o peso da onda afiada do inimigo, e foram forçados a recuar alguns passos para trás. Os nobres que ainda não entraram na guerra, imploravam para vossa majestade a permissão para reforça a ala esquerda com seus respectivos exércitos, em busca de honra e riqueza. O rei silenciosamente dizia não. Quando o brasão azul com duas estrelas caiu ao chão na ala esquerda, brasão esse que pertencia a um poderoso nobre do reino, o rei saltou de seu cavalo e deixando as reclamações dos nobres de lado, empunhou sua espada e correu em sua direção; imediatamente seu particular exército real o acompanhou, protegendo-o. Agora seu majestoso brasão real encontrava-se ondulando ao vento em meio à batalha, e seus aliados renovaram suas forças ao verem sua realeza lutando ao lado. Era uma cena rara de se ver, o rei dividindo ombradas em meio aos comuns soldados, protegendo-se atrás dos mesmos escudos e compartilhando os mesmos temores. Mas, sabido de sua imortalidade, ele nada temia, e seus inimigos recuaram sentindo a pressão do exército bem equipado da realeza.

    O rei Leonor, atrás de toda aquela carnificina, avistou o brasão real entrando e subjugando a defesa de sua ala direita, um brasão imenso que mostrava um leão dourado em um fundo vermelho. Ele, sabido da potência que segurava em suas mãos, foi a toda velocidade empunhando sua espada da morte, com pretensão de finalmente dar um fim em seu inimigo e pisotear seu brasão na lama fresca.

    Agora o duelo era entre o leão dourado de Juan Carlos contra o falcão de Leonor, e os dois lindos brasões guerreavam incrivelmente próximos. Os dois exércitos se igualavam e chocavam-se fortemente um no outro. Através de olhos humildes a batalha tornava-se épica, dois reis em suas belas armaduras sendo acompanhados de seus majestosos exércitos, trocando laminados ataques e compartilhando sólidas defesas. Mas a única cena realmente épica em todo esse sangue e morte, o único acontecimento digno de ser lembrado posteriormente, o único duelo merecido de se converter em belas palavras num livro ou afinadas rimas nos cantos dos bardos, seria o improvável duelo que estaria preste a ocorrer, duelo esse que só encontra par em histórias fantasiosas de heróis inexistentes. Em toda aquela confusão, um pequeno espaço milagrosamente é esvaziado no centro do combate. Cercado de morte e dor, ele timidamente permanece vazio com toda sua paz e pureza, e talvez pela ironia do destino, os dois reis inimigos encontram-se nesse espaço feito especialmente para eles pelas forças misteriosas do acaso. Cada um em seu lado na arena improvisada, e apesar deles estarem cercados pelos seus aliados, sentiam-se sozinhos, como se todos aqueles corpos combatendo em suas voltas estivessem ali só para demarca o limite da arena. O rei Leonor encara seu inimigo com olhos cerrados, enquanto o rei Juan Carlos, apesar da surpresa de avistar sua antiga espada nas mãos de seu inimigo, devolve no tom o olhar. O imortalizado e o empunhador da morte partem um para cima do outro, desferindo violentos golpes. Leonor tentava incessantemente acertar seu inimigo, enquanto Juan Carlos se desmembrava para esquivar da lâmina mortal. Não se passara nem três minutos de fúria e os dois já estavam esgotados, suas respirações ofegantes acompanhavam o escorrer do suor em suas faces, enquanto seus braços tremiam pelo peso da espada e suas mãos adormeciam pelo choque dos metais. Mas, apesar do cansaço, eles continuavam tentando ferir um ao outro, desferindo golpes vingativos sem cessar, não tão firmes e ágeis como antes, mas ainda golpes mortais. Naquela dança perigosa de espadas, Leonor totalmente esgotado, não consegue erguer a espada rápido o suficiente para bloquear o ataque da lâmina inimiga, ela penetra fundo em sua barriga e suas tripas berram de dor em resposta. Seu inimigo puxa-a rapidamente de volta, a lâmina sai faiscando da ferida de seu ventre, trazendo consigo um jato de sangue que colore o chão de vermelho. O rei Leonor, com sua poderosa espada, com todo aquele poder, encontra-se derrotado e desmoronando-se lentamente ao chão, seu gemido era baixo e seus olhos arregalados ainda lutavam com seu inimigo, mesmo que seus braços já não tivessem forças para acompanhá-los. Juan Carlos estava em êxtase, finalmente completara sua vingança, vingança essa tão antiga que nem mais se lembrava dos exatos motivos. Mas, mesmo assim, não amargava o gosto da vitória, após todos esses anos, ainda continuava doce. Juan Carlos em toda sua alegria vingativa, não percebe o movimento de Leonor, que com todas suas forças restantes, corta levemente o calcanhar de seu inimigo. Sentindo uma leve ardência em seu pé, ele caiu morto no chão antes mesmo de pensar na expressão: “calcanhar de Aquiles”. E com toda sua imortalidade, o rei Juan Carlos pateticamente morre.

    Como se um encanto tivesse sido desfeito, todos notam os dois reis caídos no chão e logo vão ao seu encontro, tentando socorrê-los. O exército do leão dourado grita: “o rei está morto”, enquanto o do falcão leva o seu senhor gravemente ferido, mas ainda vivo, para longe de toda aquela guerra. Seus homens carregam-no para um lugar seguro, perto dos tambores de guerra recuados lá atrás, e para um homem em suas condições, Leonor grita fortemente:

    - Me deixem aqui sozinho, voltem para lá e acabem com aqueles bastardos!

    Assim, todos voltam em fúria para a batalha, deixando-o agonizando sozinho ao som dos tambores de guerra. Sem forças, ele contenta-se em sentar no macio gramado e assistir de longe a guerra. Sua ferida ainda vomitava seu precioso líquido enquanto suas pernas tentavam guardá-lo, formando uma poça em seu colo. Sua respiração era alta e a palidez dominava sua face, enquanto seus dedos pinicavam pela dormência e cada vez menos seus órgãos internos reclamavam da dor, significando um mau sinal.

    O rei, afundado em sua agonia, não percebe o estranho companheiro ao seu lado que assistia de pé a guerra. Era um velho de aparência esquisita, vestia apenas uma tanga amarronzada que mostrava sua pele seca e seu corpo mutilado, uns de seus magros braços faltavam-lhe a mão e sua face revelava um orifício ocular. Apesar de sua triste aparência, o velho admirava a guerra com um grande sorriso satisfatório nos lábios. Com uma voz tranquila dirige-se ao rei:

    - Parece tão calmo olhando de longe. – a repentina voz pega de surpresa o rei, e se ele tivesse forças, pularia de espanto – Sabe, olhando daqui não se vê quase nenhum movimento, e com o som alto dos tambores abafando os gritos de dores dos soldados, parece que estou olhando para uma pintura em uma tela, uma belíssima pintura.

    O rei examina o estranho indivíduo de cima a baixo, e com esforço responde:

    - Belíssima pintura você diz? Se isso fosse um quadro, o batizaria de caos.

    - Se eu fosse o pintor, – suas palavras exibiam um estranho tom de afirmação, e fazendo uma pausa para uma rápida reflexão, continuou – eu o assinaria com nome de vingança. – com um singelo sorriso, apontou para um espaço vazio do gramado ao lado do rei – Posso sentar?

    - Claro. É minha imaginação me pregando uma peça, ou você está sorrindo? – dizia o rei ao mesmo tempo em que escutava o estalar dos joelhos do velho, que se dobravam para sentar.

    - Não. Não é sua imaginação.

    - Ah, pensei que já era a falta de sangue afetando minha lógica. – sua voz era tremula e fraca – Sabe, não tenho muito tempo de vida, este ferimento é fatal, – o velho confirmava levemente com a cabeça – e no momento não consigo imaginar um futuro próspero para esses dois reinos, nem para o vencedor.

    O vento começou a soprar forte naquele fim de dia, a paisagem amarelava-se com os últimos raios solares enquanto o gramado movia-se como ondas, conduzidas pela ventania. Aqueles dois seres sentados pareciam uma imagem borrada perdida no tempo.

    - Não sei porquê. – dizia sofrido o rei – Mas, acho que te conheço de algum lugar.

    - Verdade, conhece. Mas ao contrário de você, eu não te esqueci.

    - Me desculpe, como rei conheço bastantes pessoas. Você por acaso seria um soldado ou morador dessa terra?

    - Nenhum dos dois – disse secamente o velho.

    - Então que diabos alguém estaria fazendo aqui, nesse campo de destruição, sem ao menos lhe dizer respeito!?

    - Tenho um encontro marcado com uma pessoa.

    - Logo aqui? Nesse momento? Por acaso, é uma promessa?

    - Está mais para um favor, por isso vim. Na verdade, acho que viria de qualquer modo, não conseguiria perder essa cena. – disse o velho com um largo sorriso estampado na cara.

    - Que ce... – a voz do rei some, a fraqueza domina seu corpo, sua respiração para e seu sistema entra em colapso. Com uma forte pontada no coração, o rei Leonor arregala seus olhos e com as palavras “Está mais para um favor” ricocheteando em suas memórias, ele encara o velho com olhos de entendimento, e antes de relembrar sua frase proferida a quatro anos, morre.

    O velho, sentindo-se satisfeito, levanta-se do chão com dificuldade, e a passos curtos afasta-se do corpo sem vida do rei. Caminhando com passos de dança no gramado esverdeado, ele assobiava e cantarolava músicas eufóricas ao ritmo dos tambores de guerra.


    FIM.



    - E isso é até aonde a história conta – disse o homem na lateral esquerda da longa mesa.

    Todos ainda estavam afundados no universo daquela história, suas mentes ainda trabalhavam imaginando os cinco sentidos daquele mundo criado, que agora pouco fora lacrado eternamente. Suas faces marmorizadas focavam o inexistente. As chamas das velas, inabaláveis, ainda seguiam seus próprios compassos, iluminando irregularmente com passos bruxuleantes. O silêncio era de um sono profundo, nem o salpicar dos saltos das atendentes ouvia-se mais. Como do nada, uma voz cria vida e ecoa nos contornos daquela mesa, causando um efeito de estalar de dedos em mentes hipnotizadas.

    - A apenas algo que eu ainda não compreendi. – a voz vinha da escuridão, e apesar de todos não enxergarem a autora, os que ouviam imaginavam lábios carnudos e sensualidade. Continha um tom doce e suas vogais alongavam-se sutilmente.

    - Então compartilhe conosco – respondeu o homem.

    - O velho misterioso era mesmo um feiticeiro?

    - Como não poderia? Não ouviu seus feitos?

    - Ouvi. Mas todos eles, para mim, são proezas completamente possíveis para qualquer normalidade. Ninguém de fato testou a tal dádiva da imortalidade, que para mim seria a maior representação de seus poderes. Afinal, ele não passava de um velho astuto e conhecedor do comportamento humano, detentor da criatividade vingativa, e possuidor de um potente e duradouro veneno e técnicas de conservação de alimento.

    - Sem dúvida, um interessante ponto de vista. Mas a história já teve seu fim, e pedirei que apenas conforme-se com a sua pergunta. Então, quem é o próximo contador? – virou e olhou firme para o espaço escuro acolhedor da doce voz – ou, a próxima contadora?...


    História de autoria de Medíocre d'medium

  9. #9
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    Gostei muito da história.
    A introdução me fez rir um pouco. A narração da rotina do personagem foi muito boa.
    O capítulo um considerei fascinante, percebi que história promete...
    A segunda parte do primeiro capítulo foi incrível também. A forma como você descreveu as cenas, a astúcia dos personagens, o jogo de palavras... Fascinante, realmente fascinante.
    Sei que não foram críticas boas e construtivas.
    Obs: adoro histórias longas.
    "Todas as desgraças da humanidade provêm de uma coisa, que é não saber ficar tranquilo dentro de um quarto." Blaise Pasqual



  10. #10
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    Boa noite.

    Não foi um capítulo longo, se você comparar à um capítulo de livro. Mas, se comparado à media da seção, é quase equivalente à uma história inteirinha.

    Me pareceu (talvez pela música que esteja escutando) um texto progressivo. Começa quase indiferente e ganha ritmo com o passar dos parágrafos, culmina em uma épica cena de batalha e ganha uma bela conclusão, distante e macia, embora já esperada.

    E foi um modo narrativo bastante dinâmico. A marcação de tempo, no início, me desagradou; conforme fui percebendo as intenções do contador, comecei a apreciar o estilo. Só que acabei me perdendo nos últimos momentos da marcação temporal; já não sabia mais de qual reino estava sendo tratado, até porque tudo acabou se juntando.

    E que venha a próxima história.

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    "Este tem sido o problema dos místicos. Alcançam o Definitivo, mas não podem relatar aos que lhes vêm após. Não podem relatá-lo a outros, que gostariam de ter essa compreensão intelectual. Tornaram-se um com o Definitivo. Todo o seu ser o relata, mas a comunicação intelectual é impossível. Poderão dá-lo a ti, se estiveres pronto para recebê-lo, poderão permitir que o alcances, se também o permitires, se fores receptivo e aberto. Mas as palavras não farão isso, os símbolos não ajudarão, teorias e doutrinas não serão de uso algum."



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