Pode não parecer, mas sempre acompanhei com vigor os subforums de leitura/escritores, e com a inauguração dessa nova seção, me deu um ânimo para participar. É difícil dizer que tipo a minha história se encaixa, pois ela será um mesclado gigantesco de vários tipos, gêneros e estilos. Só posso dizer, por enquanto, que o prólogo é atual.
Ah! Outra coisa. Realmente não administro parágrafos, só a minha introdução deve ter umas 4 paginas. Sei que o costume daqui são posts pequenos, mas esse não é meu estilo.
Bom, apresento-lhes
Taberna dos Ímpares
Introdução
Seis da manhã, o marcador digital do relógio brilha na escuridão, é a única fonte de luz naquele quarto escuro. Como se fosse programado para isso, João acorda pontualmente. Levanta-se preguiçosamente da cama e aos tropeços atravessa o quarto em direção ao interruptor. Liga-o. Momentaneamente a luz o cega, mas aos poucos sua visão retorna, revelando um típico quarto, cama, criado-mudo, armário grande, armário pequeno e objetos variados espalhados, tudo que normalmente um quarto possui. Com passos sonolentos, caminha em direção ao seu banheiro. Seu trivial espelho reflete a imagem de seu banal ser, branco, de meia idade, barba feita, cabelos pretos e curtos. Após a desinteressante visão, pratica como a maioria sua higiene matinal, banho, dente, desodorante, cabelo e perfume. Sentindo-se limpo, veste rigorosamente seu uniforme, traje comum de trabalho, terno preto bem passado, gravata negra endireitada no pescoço e um penteado formal, no seu caso, cabelo molhado repartido para o lado. Sentindo-se apresentável para o mundo, apronta rapidamente um costumeiro café-da-manhã, proteínas, carboidratos, vitaminas, lactose e glúten. Sentindo-se satisfeito, sai em disparada pela porta da frente, sem esquecer de sua fiel mala de couro sintético, rumo a mais um típico dia de trabalho em uma metrópoles.
João andava em passos lentos, como a maioria mundial que detestava seu emprego. Caminhava pelas ruas com cansaço nas pernas e tristeza estampada na face, rumo ao metrô da cidade, seu veículo costumeiro de transporte. Pensava ele: “Se carroças aladas são o meio de transporte entre a terra e o céu, o metrô sem dúvida era o do inferno”. Como sempre ao chegar ao local, encontrava mais pessoas de sua tribo, na verdade a maioria esmagante pertencia a ela, pessoas que vestiam o mesmo uniforme. Algumas delas até demonstravam pequenas modificações, uma leve variação de cor na gravata ou um minúsculo detalhe diferenciado no terno, mas no fundo, não enganavam ninguém com suas supostas liberdades de estilos. Obrigatoriamente todos se replicavam. João presenciava, através de seus olhos, uma estação cinza e morta, onde as cores pretas e brancas predominavam; rara eram as vezes que vislumbrava uma extravagância de cores, onde sua viva fonte era sempre subjugada e discriminada pelo massivo bicolor.
Ele adorava ficar apoiado em uma das pilastras que sustentavam aquele vão debaixo da terra, onde ficava isolado da multidão, perdido em seus pensamentos. Imaginava um desses tantos desconhecidos, tendo um enfarte e caindo duro no chão. Com olhos examinadores, apostava em quem do aglomerado prestaria socorro, ou em quem desmaiaria junto de nervoso, ou até em quem roubaria os pertences do defunto e fugiria a toda velocidade, feliz pela sorte grande.
O metrô finalmente chega. Portas eletrônicas abrem-se, e a boiada humana afunila-se na entrada. João é um deles, mas nativo da rotina, logo se emburaca e adentra no vagão. Senta na primeira cadeira individual que encontra, alegrando-se pelo achado, pois saciaria sua frescura. Nunca foi adepto ao esporte de roçamento de células mortas com estranhos pela manhã. A viagem hoje seria curta, não que seu destino diferenciava dos outros dias, apenas dominou o conhecimento da locomoção. Diferentemente da física, no metrô a durabilidade de uma viagem não é determinada pela distância de dois pontos, e sim pelo conforto de seu lugar. Em pé, no meio da multidão, teria pela frente uma longa viagem, mas hoje, sentado numa cadeira individual, seria em tempo recorde.
Era um vagão lotado de animais falantes e produtores de grandes tons, mas o som metálico dos trilhos era o único ouvido, todos emudeciam-se e tentavam ao máximo o desencontro de olhares. Nesse esporte João era titular. Novamente ele aprofunda-se em seus pensamentos, imaginando como seria se aquele mesmo vagão, com as mesmas criaturas falantes como a solidão, fosse magicamente tele-transportado para algum planeta desconhecido. Quem formaria o primeiro casal? Quais pessoas se odiariam? Quais cultivariam grandes amizades?
O metrô chega em seu destino. Portas eletrônicas abrem-se, boiada humana afunila-se na saída. Alguns minutos depois de empurrões e esbarrões, finalmente João chega ao seu local de trabalho, um grande prédio pertencente a uma grande organização. Trabalhava no oitavo andar, em um grande salão dividido em vinte pequenas mesas de escritório, praticamente uma cópia dos outros nove andares restantes do prédio. Assim, ele passou seus últimos dez anos de sua vida, trabalhando numa marca banalizada, em um de seus prédios padronizados, ocupando mesas de escritórios singulares, e fazendo o mesmo serviço de milhares.
O término do expediente chega. Todos voltam para suas casas, para suas obrigações não remuneradas; menos João, esse caminha tranquilamente pelas ruas da cidade, totalmente sem compromissos, em seu horário livre. Com sua maleta na mão, seu terno desabotoado e sua gravata afrouxada, assistia em movimento o pôr-do-sol, onde seus últimos raios o faziam transpirar. Olhou para a grande bola amarelada no horizonte: “Quente”. Olhou para seu escuro terno: “Traje europeu”. Olhou para aos céus: “Quem foi o gênio que aderiu e tornou lei usá-lo?”. Olhou para as pessoas em sua volta: “Camisa e bermuda, isso sim que os brasileiros deveriam usar no trabalho”.
João sempre foi um exemplar diferenciado de sua espécie, apesar de sua aparência e de suas vestimentas dizerem o oposto, ele dificilmente mesclava-se na multidão. Seu gosto e seus pensamentos sempre foram exóticos, usava seu cérebro vinte e quatro horas por dia, sem descanso, sem pausas em suas maquinações, mesmo em um andar singelo ao retorno de seu lar. Sua costumeira jornada pelas ruas escuras da cidade após o trabalho, era apenas mais um de seus gostos não convencionais.
Esse foi sempre um de seus maiores prazeres da vida, a “Caminhada do Alvorecer”, assim ele a chamava; andava pelas ruelas de sua cidade predileta até ao amanhecer, praticando em passos curtos o seu livre-arbítrio. A Conhecia como a palma de sua mão, ou até mais, já que tinha percorrido cada uma de suas avenidas, alamedas, ruas, ruelas, vias, becos, passagens, caminhos, acessos, gretas, túneis, fissuras, frestas, grutas, etc. Conhecia de cabeça todos os nomes dos bairros, ruas e pontos turísticos. Já tinha vislumbrado sua beleza dos mais variados ângulos, em terra firme, em tomadas aéreas ou até em fotos espaciais. Podia vendar seus olhos e rodopiá-lo sem pena, que qualquer lugar da cidade que o deixassem, ele reconheceria de supetão; talvez por causa de uma excêntrica árvore com troncos retorcidos, ou pelo irregular chão que formava poças ao chover, ou por uma jeitosinha “casa de avó”, aquelas de móveis antigos e aroma de bolo de fubá ao forno, ou por um carro importado na garagem. Não importava, ele saberia, e se por acaso alguém apostasse, perderia. Mas, inconscientemente humilde como sempre foi, apenas teve nessa noite a consciência de sua habilidade, da grandeza de seu conhecimento, e entrou em êxtase ao imaginar ser o único ser daquele mundo a possuir aquele saber, de todas as mentes com as mais variadas capacidades intelectuais a conhecer cem por cento aquela cidade. Naquela noite, apesar dele nunca ter conseguido citar todos os estados brasileiros, sentiu-se inteligente, intelectualmente capacitado, sabido até ao transbordo de sua borda. Sentiu-se... único.
Já passava das quatro da madrugada, e ele achou sensato começar a rumar de volta para casa, passo a passo regressou de seu trajeto percorrido por momentâneos impulsos. O barulho da dura sola de seu sapato era o único instrumento a emitir som naquelas ruas, nenhuma alma viva cruzara seu caminho há horas, nem sequer ouviam-se conversas ou o clássico cântico metropolitano em ruas paralelas distantes. João encontrava-se caminhando na solidão, parecia ser o único morador daquela cidade, as casas mantinham suas grandes janelas fechadas e nenhum sinal de vida escapava de seus domínios, nem uma luz, nem um ruído, naquele momento até requebrados de caveiras o alegraria, resgatando de sua melancólica solidão momentânea. Admirando o casamento do silêncio com a escuridão que ele notou espantado o bater de seu queixo, estava caminhando repentinamente ao encontro de uma forte ventania, seus gélidos ventos passavam com pressa entre as fendas de sua forma, instintivamente seus braços acolheram-se um ao outro e sua cabeça inclinou-se para frente. Sua respiração estava pesada e suas pernas pisavam forte no chão, e seu único pensamento era: “DE QUE BURACO GÉLIDO-INFERNAL SAIU ESSA MERDA?!”. João nunca vira um frio tão intenso naquela região, e com espanto nos olhos avistou pequenos flocos de neve caindo ao chão. Ele estava espantado e ao mesmo tempo admirado com tal impossibilidade, sabia que ninguém acreditaria se contasse, mesmo com sua argumentação artificiosa elevada. Em plena fascinação pela fuligem cristalina, dava à cara a tapa, levantando-a do ventre de seus ombros que o protegiam dos ventos frígidos e imparciais, tentando abocanhar o máximo possível dos respeitosos flocos, possuidores dês da nascente de tais venerações sem se sobressair. Em seu exaltado recesso, avista de relance, do outro lado da rua, um pequeno beco que se espremia entre duas grandes casas, tão pequeno que mal dava para passar frontalmente uma pessoa, ou em pé de igualdade, lateralmente um gordo. Ele rapidamente atravessa a rua e aproxima-se de sua entrada, que era totalmente escura, e apesar de não enxergar o seu outro lado, dava a impressão de ser bastante longo. João nunca avistara esse beco antes, mesmo que minutos atrás jurava conhecer cada canto daquela cidade, e sem pensar duas vezes, sua curiosidade o empurra para dentro de seu breu.
Era totalmente desprovido de iluminação, nem a lua cheia parecia ousar se intrometer em sua negritude. João andava com dificuldade em seu domínio, não dava para enxergar um palmo em sua frente, suas pernas davam passos cautelosos no vazio enquanto suas mãos deslizavam nas extremidades do beco. Alguns poucos minutos se passaram em sua caminhada sombria, quando percebeu que o chão mudou de material, era um chão macio e seus passos não mais faziam barulho, parecia ser de terra. Ao longe, percebeu uma fraca luz amarelada no fim de todo aquele preto, com ânimo renovado, apertou o passo e logo a luz amarelada deu lugar a uma estrutura de madeira, que por sua vez, deu lugar a uma velha casa com pequenas janelas que expeliam uma fraca luz amarelada, que provinha de seu interior. O término do beco acabava exatamente no início da casa, que na verdade, de acordo com a placa de madeira encima da porta: era uma taberna, a “Taberna dos Ímpares”. Ela continha dois pequenos andares, e os dois eram feitos de madeira antiga. O segundo andar apresentava apenas três pequenas janelas, enquanto o primeiro continha duas das mesmas janelas, uma de cada lado da única porta, que por sua vez, cobria-se com uma simplória varanda.
Lá estava João, em pé, com seus sapatos empoeirados de terra, seu terno desabotoado, sua gravata afrouxada e sua fiel mala de couro sintético em uma das mãos. A neve acumulava em seus negros cabelos e o frio assolava seu externo ao mesmo tempo em que a fome consumia-o por dentro. Olhou para trás. De seu caminho percorrido não se via mais nada, apenas uma negra tela. Olhou para frente. Uma taberna velha e misteriosa, com luz amarelada e sons de conversas eufóricas escapando de suas minúsculas janelas. Com uma sábia escolha, o homem formalmente vestido se aproximou da porta de madeira e com um movimento brusco girou a maçaneta, a porta rangeu lhe dando boas vindas, e a silhueta do homem se perdeu adentrando a taberna.
Fim da Introdução
A introdução foi baseada na HQs (revista em quadrinhos) SandMan
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