Bem, como o concurso terminou, decidi me apresentar como o escritor de A Banshee.
Não, eu não mandei o conto com esta conta, e sim com a conta Ockarina, já que os requerimentos para participar do concurso incluíam número de postagens.
Desde já, agradeço, obrigado.
A Banshee
“A juventude é plena, repleta de alegria serena,
Mesmo que venha a trazer tempo,
Oro aos pés do anjo que me trás sofrimento”.
Num período antes de nós ou eles que aqui vivem, antes do antes do que conhecemos e sabemos, a família burguesa denominada filha de Thais pregava as estacas do regimento ao rei, a majestade soberana das terras do continente.
Uma composta árvore de ramificações entrelaçadas que se cruzavam num bosque de sombras – o céu negro de Thais – e pingos d’ouro prateado, morta, vivia em frente da casa de uma família nobre cujo nome não importa.
Tão entrelaçada era a árvore dos genes da nobreza de Thais quanto à própria árvore que vivia no espelho a sua frente. Havia um pai que zelava em diálogo diplomático, havia uma mãe que cantava os instrumentos com as mãos, e havia um filho que apreciava o nós do espelho da frente de sua família. Numa noite mais escura que empoeirada no cotidiano ascendente dos ferreiros da cidade dos reinos, cantarolava a árvore morta no espelho perplexo da janela do garoto. Ele fitava os troncos que balançavam sem soltar-se e gemiam num canto sombrio, sem som. Era o som das árvores, aquele fervor que sentia quando o vento corria.
Cantava. Cantava a árvore do outro lado da casa. Dormiam. Dormiam os pais da criança que escutava com os olhos aquela canção do silêncio. Ele olhou com as orelhas, e sentiu o cheiro do vento que corria. Desceu. Desceu até a porta que levava ao espelho do lado de fora. O pijama azulado escorava em seu corpo como garras em carne, como o vento que entrava aos muitos na casa dos nobres de Thais – depois que abrira a porta.
O som parecia mais intenso para o garoto, os galhos pareciam cantar a melodia que escutava com os olhos quando olhava para o vento, sentia as cores em suas pequenas orelhas e cabelos. Sem mais sonhar ou estar acordado, escutara o chamado cantarolado da árvore que gemia na voz de uma velha janela. Opinou sem pensar pelos passos gelados que passavam por sobre as pedras escamosas das ruas, aproximando-se do curvo tronco acinzentado.
Ali, seus cabelos de cor castanha já vinham a assumir a cor do preto das sombras – a árvore chamava –, ali, seus olhos de cor do fruto das abelhas já semeava o escuro de um abismo – a árvore chamava –, ali, seus dedos gordos de fartura que já não desejavam tocar já sentiam o prazer da áspera árvore que roncava – o ronronar gélido da voz do silêncio enfim chamava. Sua face não mais se ocultava.
Antes que a consciência voltasse a tocar a mente desabilitada do garoto, a voz do frio dos ventos tomara forma, atrás da árvore que cantava todas as noites havia uma janela que roncava, era uma janela morta de cabelos de crepúsculo e olhos de alvorada, um mar rasgado que descia por seus ombros num vestido em cortinas era negro de sujo. O som cessou e a árvore estremeceu. A janela que tinha aparência medonha abaixava a lira que escorria por todo o braço esquerdo – esbranquiçado como sem veias –, mostrava o sorriso em torno de um beijo violeta. Não roncava. A lira não roncava, não tinha cordas ou entranhas. A lira não cantava.
Sem pés a criatura era, suas vestes que recobriam as pernas não apresentavam volume ou o movimento. A aparência monstruosa aproximou-se do garoto flutuando como sua própria canção vazia. Um beijo dera ao garoto, um toque violento de suave nos lábios já congelados da criança. Dois gritos de desespero em ecos profundos tomaram conta dos ares durante alguns segundos. Ela adormeceu durante a noite estrelada – mesmo não estando acordada –, abaixo do manto corrente do negro que borbulha o prateado das estrelas.
Um suspiro em forma de bocejo descera pela garganta do garoto e permaneceu preso durante algum tempo até que pudesse abrir os olhos para que um mar de cores invadisse seus pensamentos entrevistos. Levantara-se da cama em sentado, ficando apoiado usando o braço como coluna numa ligação das pernas à cabeça. Bocejara tremendo as mãos. A alvorada reluzia trêmulo pelo vitral da janela como orvalho em laranja. A preocupação tapara seus ouvidos por alguns segundos enquanto lembrava-se da canção das árvores tortas e o que se escondiam atrás delas – as fadas negras, as banshees.
Um frio desalmado correra por toda a extensão de sua espinha quando levantara os braços lentamente tentando apanhar algo que não estava lá. Uma melodia invadira seus pensamentos assim que a sensação do silêncio dolorido escapara. Era sua mãe cantando com as mãos, puxando as cordas de um alaúde para que a canção soasse divina como o próprio canto do rouxinol. Descera o garoto pelas escadas soando velhas e estalando com a poeira formada acima de sua extensão escura de madeira, quanto mais descia, maior era a sombra da falta de janelas e mais relevante era a canção das mãos de sua mãe.
Lá estavam – ao lado do par de mesas e cadeiras feitas pelas mãos de um exímio carpinteiro – três malas cor-de-musgo, surradas como o próprio mar abatido. A portadora das mãos cantantes estava escorada na mesa redonda pela parte da cintura, sem se importar com a sujeira invadindo a parte posterior de seu vestido verde como a própria floresta. Carregava o instrumento velho de cordas tortas em frente aos seios, usando as mãos lentamente para escolher cada uma das notas. Sorriu. Lá estavam as malas, lá estava sua mãe. Logo atrás da imagem melódica haviam duas portas adornadas pela sujeira dos tempos por onde a alvorada laranja podia passar e tocar o piso gélido, refletindo para as paredes escuras de encardidas, e lá estava seu pai, carregando livros e papel.
Onde iremos? Perguntara o garoto apoiando-se com os cotovelos em uma das mesas, prestando atenção aos movimentos exatos de sua mãe. Ao novo mundo. Iremos em nome de nosso senhor. Os finos lábios da mulher se abriram lentamente como imãs de um mesmo pólo, revelando os dentes esbranquiçados como a própria neve. Ao novo mundo? A cidade dos pântanos? Reformulara a pergunta enquanto passava lentamente a mão pela nuca. Sim, Venore.
Diplomatas era a família, estudiosos pelo rei – corrupto ou não, certo ou errado –, estavam no grupo definido pelas ramificações da escala real. Iriam eles para Venore – a terra recém descoberta de rei Tibianus – em uma missão como qualificados eram, definir os acordos da diplomacia entre os dois povos. Até a embarcação recém limpa caminharam, cães vagavam como perdidos apanhando com os dentes pardos a carne suja das aves que decaiam os céus, alimentando-se dos restos de lixo daqueles que o ateavam no decorrer das ruas, imploravam por comida, rastejando as pernas com uma imensa vontade de desistir da vida enquanto as moscas rodeavam seus olhos. O garoto se estremeceu enquanto subia a bordo da embarcação, ele olhou para o horizonte tentando entrever sua casa mais alta que a maioria. Lá estava a banshee, observando por aqueles que iriam consigo.
“A morte sempre é bem vinda aos cantos do poeta,
Mas é cruel quando se pode ver na ponta de uma flecha”.
Um som estrondoso ecoou em conjunto de uma corneta quando a embarcação fora parando contra a areia escura das terras de Venore. Estavam no porto das pedras mal posicionadas onde o calor era quase insuportável. Comerciantes estavam por todas as partes vendendo objetos de todos os tipos. Ainda era possível prestar atenção aos ruídos de armas atrás da grande cortina de sons da multidão, os guardas de Thais estavam presentes na tentativa de conter um ataque dos comerciantes que apenas entregariam seu reino de moedas depois de mortos.
A mão pesada do pai da criança ocupava seu ombro direito enquanto passava apressado em meio das diversas faces que ali estavam presentes. Foi quando quase involuntariamente, um grito assustador atravessou todos os outros sons como um machado, cortando tudo num decadente silêncio até que um homem de longa barba marrom se deixara cair pelas pernas curvas. Uma flecha atravessava suas costas como uma bandeira da morte. O garoto lembrou-se do grito da banshee no mesmo instante. Dois dias, dois gritos. Talvez a lenda surtisse efeito.
Três homens de aparência jovem e rugosa saltaram de trás do gigante abatido, caminhando por sobre mesas improvisadas e bancadas quebradas apanhando adagas e machados feitos de madeira molhada, quase quebradiços. Vão embora, homens de Thais! Esta terra é nossa, e nunca venderemos nossos costumes! Foram as palavras do rapaz que estava à frente dos outros, tinha o nariz longo como as orelhas, enquanto seus olhos amendoados eram menores que um morango. Os nobres soldados do povo dos reinos sacaram espadas, lanças e escudos um a um lentamente, preocupados visivelmente. Grande parte dos homens era jovem e tinham medo de lutar num combate fechado como o que estava se armando aos poucos enquanto a multidão reagia com passos curtos.
Não havia muito que decidir após a manifestação. A defesa fora inevitável. Correram os pais e a criança que buscavam por uma planície sem corpos ou flechas cravadas na terra amontoada. Correram e correram em meio das cores cinzentas e avermelhadas que rabiscavam os giros de imagem da criança. Não chorava, mas não podia deixar de sentir um temor terrível. Jogado então contra a parede fora, seu pai o obrigara a sentar-se ao lado de uma casa de tijolos esverdeados, tapando seus olhos com as mãos grandes que tinha. Não via. Não veja nada, meu filho. Não veja. As palavras de seu pai com o tempo foram se apagando, o som dos gritos foram sendo trocados por grunhidos de aves e gotas caíam sobre sua cabeça o tempo todo. O som todo cessou, mas não sua respiração redundante.
Os olhos do garoto já formigavam e causavam uma sensação de desconforto em torno da face quando ele resolveu retirar as grandes vendas que cobriam seu ponto de visão. Ao voltar a cabeça para entrever o pai, notara que o toque gelado que tocava constantemente sua cabeça era sangue. Sangue que corria pela flecha atravessada no pescoço de seu pai. Ficara pasmo, fitando a cena durante minutos a fim, até que um pássaro voasse atrás de si ecoando o som do alaúde de sua mãe. Fora com os quatro membros de suporte do corpo até o instrumento ateado no chão ao lado de vários cadáveres degolados ou mutilados. Ele o apanhou com as lágrimas presas no brilho de seus olhos e caminhou. Caminhou com o alaúde entre as mãos em busca de algo que não imaginava. As pessoas não estavam em lugar nenhum, as poucas que surgiam estavam correndo para suas casas com itens roubados em mãos. Fora um verdadeiro massacre.
Horas depois, sentado aos pés de uma estátua angelical de mármore forrado com pedras negras, implorara. Oh, estátua do anjo, oráculo. Imploro-lhe! Não permita que o som do silêncio venha a me matar. Afaste-me da banshee, oh, oráculo. E durante horas ele seguiu ajoelhado diante da figura esculpida, até que por sonho ou não, a estátua respondera. Pobre, pobre criança. Posso impedir que morra, mas não posso impedir que o matem. Dá-me tua morte como tributo, e nunca terá direito ao descanso eterno. Desesperado, aceitara. Entregar a morte e não a vida parecia ser um trato que o favoreceria. Parecia.
Depois do segundo grito, a banshee nunca cessou a procura por aquele que marcara com um beijo, e o garoto nunca pôde entregar sua vida aos deuses que o amaldiçoaram com a vida eterna, perseguida pela dor da janela que gemia. Pobre garoto, todas as noites podia escutar o chamado da fada por trás das árvores, escorado em quartos de taverna por mundo a fora em busca de algo que o livrasse da maldição da banshe. O que fazer?
Hoje, já velho de imortal, o homem ainda procura por alguém que o livrasse da maldição, matando-o ou arrancando o beijo da fada, procurando por uma cura nas florestas de Ab’Dendriel ou na ilha de Rookgaard.
Seria alguém capaz de ajudar um amaldiçoado?4º lugar no concurso de Roleplay Telling 2009.
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