Achei melhor postar esse texto do que deixá-lo morrer nas trevas dos Meus Documentos. Espero que gostem. Não garanto outros capítulos.Winchester
Capítulo 1
Os olhos imóveis de Ronald Gumps fitavam o mar, e o que viria a ser sua presa. As ondas batiam brandamente no casco de seu pequeno e frágil barco, produzindo o único som que se ouvia por léguas e mais léguas. Franziu o cenho, afastando seus cabelos rebeldes da testa, e concentrou-se friamente na ave diante de si, com seus harmoniosos e suaves movimentos em direção a algum pobre peixe.
- Mas que merda de cadeia alimentar. – Um tiro. Toda aquela sublime cena havia sido apagada por um rápido movimento do calejado dedo indicador da mão direito de Ronald. Por um momento, o lamurio dos pássaros pôde ser ouvido na forma de grunhidos e chiados. Noutro, novamente o barulho silencioso e solitário do mar.
Ronald Gumps já estava acostumado com aquilo. Poliu sua satisfeita Winchester, antes ávida por sangue, e repousou-a ao seu lado, enquanto recolhia os restos mortais do jazido pelicano. Em seguida, virou-se para o Sol, que se punha às suas costas, e observou o restante do bando de pelicanos rumando para o norte. Ele sabia que aquilo não era o medo de seu algoz – embora tenha aberto um leve sorriso quando essa possibilidade lhe viera à cabeça. Aquele era o presságio de uma chuva, e das fortes. Torceu o nariz, praguejando algumas coisas para os céus. Em seguida, puxou agressivamente a corda de seu motor, ligando-o, e zarpou para o litoral.
Ele já era um homem na casa dos cinquenta, carregava marcas de um passado conturbado. A mais visível delas era uma cicatriz seca e fina, do tamanho de um peixe-espada, bem no meio de suas costas. Nada que o atormentasse, claro. Gumps já foi um homem belo, conquistador. E ainda era, apesar da idade. Tinha olhos verdes, cabelos castanhos (com fios brancos já dando o ar de sua graça) e um físico invejável.
Em menos de uma hora, estava sentado à mesa saboreando seus deliciosos peixes cozidos, e folheando o jornal de dois dias atrás. Olhava para aquelas páginas com indiferença. Para ele, pouco importava a crise financeira, a nova turnê do U2 ou quem venceria a Premier League. Ronald vivia absorto em uma realidade paralela, trancafiado em um casebre rústico de madeira em uma ilhota próxima à capital britânica. Acordava todos os dias com a brisa marítima soprando sua face, sussurrando palavras ao vento, provavelmente as únicas que ouviria até o fim de sua vida. Passava o resto do tempo meditando ou pescando, o que dependia exclusivamente de seu apetite.
O único resquício do quem um dia fora Ronald Gumps encontrava-se naquela velha arma repousada ao lado do prato que estava sendo devorado. Era o que restava de uma época que talvez nem ele próprio se lembrasse.
Uma época que estava prestes a ser ressuscitada.
Entre uma garfada e outra, o velho pescador ouvia barulhos. Não sabia descrever exatamente o que era, mas sabia que aquilo era incomum, ainda mais em uma região tão inabitada. Por um momento, pensou que poderiam ser batidas na porta. Logo afastou esse tolo pensamento da cabeça, mas de qualquer jeito, achou melhor ir conferir. Empunhou a espingarda e dirigiu-se com passadas suaves e vagarosas até a porta, quase sem produzir som algum. Respirou fundo e, de súbito, abriu a porta e mirou a Winchester em o que quer que estivesse do outro lado.
Hector Cruz estava em pânico. Suas bochechas rosadas estavam ainda mais rosadas, e pingos de suor escorriam sobre seu grosso bigode. Era um homem de face arredondada, gordo e baixo. Trajava um smoking verde por cima de uma camiseta branca, que combinava com sua calça social, e um chapéu preto. Sua figura seria cômica se não fosse pela arma apontada em sua cabeça.
- O que quer? – perguntou Ronald, seco.
- Wi... Wi... Winchester... – a porta se bateu assim que Hector completou a palavra.
- Não sei do que está falando! – gritou Gumps, com a porta fechada atrás de si.
A verdade é que ele sabia muito bem do que se tratava.
- Sir! O mundo precisa do senhor!
- Vá embora, não sei do que você está falando!
- Senhor! Eu vim a mando da rainha!
- Ótimo! Mande um beijo a ela, e diga que pode passar aqui qualquer hora para tomar um chá!
- Senhor! O Barão de Ahlq fugiu da prisão!
A porta se abriu instantaneamente.
- Vocês são uma cambada de incompetentes – disse Ronald, com rispidez – Anda. Entre. Sente-se aqui – ele andou até a mesa e puxou agressivamente a toalha, deixando cair e quebrar vários pratos e talheres, e produzindo um tilintar desagradável. Hector não sabia se o homem estava realmente perturbado ou se estava simplesmente tentando colocar medo e impor respeito. De qualquer maneira, sentou-se.
- Primeiro, quem é você e como me achou aqui? – perguntou Gumps, mantendo-se em pé em frente ao amedrontado homem à sua frente, com o dedo ciscando no gatilho da Winchester. Quem entrasse naquele recinto acharia que estava para acontecer uma tortura. Na verdade, a situação não era muito diferente disso.
- Erm.. Bem... – Hector estava buscando coragem dentro de si. Ainda suava frio, e não sabia como começar aquela conversa – Sir Ronald Gumps, o lendário Winchester...
- Desembucha logo – atirou para o alto, fazendo cair uma parte do telhado da casa, e, sem dúvida, assustando o homem de smoking.
- BemmeunomeéHectorCruzvimaquiamandodarainha...
- Ei – interrompeu Ronald – Que nem gente.
- Bem... – batendo o pé no chão sem parar, sem esconder o nervosismo, ele continuou - Meu nome é Hector Cruz, sou uma espécie de mensageiro da rainha, e fui mandado aqui você já deve saber porque. Não é muito difícil se localizar uma pessoa com os satélites que temos à disposição, então não tivemos dificuldades nessa parte.
- Então mandaram um único homem gordo para me convencer a cooperar com sei lá o quê?
- “Sei lá o que” não, Sir. Eu já falei. O Barão de Alhq fugiu.
Ronald Gumps pigarreou. Ele já sabia exatamente o que estava por vir, e como essa discussão iria terminar.
- E daí? – perguntou, indiferente, relaxando a postura – Isso já não é problema meu. Não sei se você percebeu, mas eu não quero saber de mais nada disso. Nada.
- Não creio, Sir. Com todo o respeito, acho que ainda existe algo que te faça voltar às raízes.
- Ah, é? – perguntou, com um sorriso escancarando seu deboche.
Hector Cruz não disse nada, apenas estendeu um jornal aparentemente recente a Gumps. Na primeira página, uma mulher com o rosto marcado pelas lágrimas.
Ronald puxou o jornal para si e ficou olhando-o por alguns segundo, sem emoção. Em seguida, disparou:
- Você acabou com a minha paz.
- Então, Sir, você vai nos ajudar? – Hector parecia não ter entendido o tom do que foi dito anteriormente.
Então o pescador pegou a arma e puxou o gatilho, pela segunda vez no dia. O gorducho caiu estatelado no chão, e foi lançado ao mar como comida de piranha. E o pescador voltou a comer seus deliciosos peixes, como se nada tivesse acontecido, com o brilho de sua Winchester reluzindo a luz das velas e o barulho rítmico da chuva batendo em seu telhado.
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