1.
Tralius Kreyd entrara em uma cabana velha de madeira. Não sabia o que sentir: medo, alegria, entusiasmo, preocupação. Trouxera consigo uma mulher negra, gorda, que vestia horizontalmente uma manta branca que dava voltas pelo corpo e uma vestimenta para a cabeça feita no mesmo estilo. Ela era parteira.
Logo que entrou, Tralius virou à direita e entrou em um quarto. Ali só havia um colchão e uma cabeceira de cama. E uma mulher deitada no colchão com as pernas abertas formando um triângulo com o chão. Seu nome, Andini Kreyd. Ela usava um vestido de malha branco, amarronzado pela sujeira, e mordia um pano branco igualmente sujo, mas cinza em vez de marrom. Parecia extremamente exausta. Percebia-se que nada fora preparado anteriormente. Seu cabelo loiro, ondulado, estava solto, mas ela geralmente o usava preso atrás da cabeça.
Andini gritava de dor. A parteira se aproximou, apertou a mão dela e murmurou alguma coisa. Ela balançou brevemente a cabeça com um sinal de afirmação. Um minuto depois veio à luz uma pessoa, um bebê, cujo nome recebido fora Lucius. Lucius Kreyd.
2.
Andini e Tralius Kreyd discutiam. Eles estavam sentados próximos um do outro em bancos sem escora, de madeira, em uma casa feita do mesmo material, aparentemente mais nova que aquela antiga casa em que viviam anos atrás, mesmo não estando pintada.
Andini olhou pela porta. Via-se algumas construções de tijolos e de madeiras, mas nada que atrapalhasse a visão do pôr-do-sol, pois estava no último e segundo andar de um condomínio. As casas dali eram pequenas, sendo constituídas apenas de um quarto, uma sala com dimensões não muito significativas, uma cozinha e um banheiro, ambos do mesmo tamanho que a sala. Voltou o olhar a Tralius. Ele tinha um cabelo castanho escovado para o lado e usava seu uniforme de trabalho: uma calça jeans e uma camisa de pano vermelha com um símbolo circular branco na região esquerda do peito.
- Está bem, Tralius. Você que é o homem da casa e sabe o que fazer – dizia ela com uma voz irritada. – Mas quero deixar bem claro que sou contra isso.
- Querida – falava Tralius, persuasivamente, mas tentando também consolá-la. –, é o que nosso filho sempre quis. E agora que o exército de Carlin está fraco, nosso filho deverá receber um bom salário.
- Sim – Andini aumentou a voz, ainda irritada. –, mas o que mais me incomoda é esse instrutor.
- O instrutor será sempre o mesmo!
Tralius realmente acreditava que isso fosse verdade, mas não era. Uma semana depois Lucius Kreyd e sua amiga, Ana Astorius, ambos com 8 anos, entraram em um navio a velas, gigantesco, cheio de crianças da mesma idade. Rumavam uma ilha, uma ilha a qual chamavam de Rookgaard.
3.
Lucius molhou seu rosto na água de uma fonte no meio da cidade. Aproveitou para olhar como estava sua aparência. Seu cabelo loiro escurecido caía pela testa em direção aos olhos. O cabelo dele era em forma de coco, exceto pela franja, que se separava em pequenas mechas de cabelo ao cair diagonalmente pelo rosto.
Dois dias atrás seu instrutor falara que não poderia treiná-lo a menos que tivesse um grupo completo, com três pessoas. No navio todos os grupos foram formados, exceto por dois, que ficaram ambos com duas pessoas. Os nomes das pessoas desses grupos eram Lucius Kreyd e Ana Astorius, Misa Amane e Frick Algos. Sugeriram para que alguém de um desses grupos fosse para o outro, mas eles eram inseparáveis. A solução era se juntarem a alguém que tivesse sofrido o mesmo problema que eles há seis meses, que é o intervalo entre as remessas de pessoas, mas ouviram falar que não sobrou ninguém na última. Mesmo depois de ele e Ana discutirem muito com o seu mestre, Toth Writ, ele falava sempre a mesma coisa: “Trabalho em equipe é a melhor arma que poderiam ter”.
Como não tinham nada para fazer, Ana o chamou para um duelo de espadas, com espadas de madeira, claro. Ana Astorius era uma menina muito bonita. Ela tinha um cabelo longo, volumoso e castanho solto, que chegava até a ultrapassar seus ombros. Estava usando um vestido sem mangas apertado, propositalmente, acima da cintura e folgado abaixo; ele era branco nas bordas e tinha um cetro mágico, também branco, desenhado nas costas.
Lucius aceitou o convite. Eles se afastaram do centro da cidade e armaram a arena de duelos ao lado do rio que separava o centro comercial de Rookgaard e a parte residencial. Ana entregou a espada a Lucius.
- Vamos ver se evoluiu – disse ela, num tom irônico e divertido ao mesmo tempo.
Lucius lançou uma breve risada e empunhou a espada. Ana também logo o fez. Ele investiu contra ela, mas foi surpreendido pela velha estratégia de deixar o braço e a arma esticados, impedindo um ataque frontal. Tentou passar por baixo e realizar um preciso e rápido ataque horizontal ao lado da barriga de Ana, mas ela só abaixou a espada e acertou a cabeça de Lucius.
- Não admito perder para uma mulher – disse. Mas viu Ana sorrindo e logo sorriu também.
Para a surpresa deles, uma mão agarrou a encosta do pequeno barranco do rio onde estavam. Desesperadamente tentaram agarrá-la, mas ela escorregou. Ana esticou a parte de trás da sua espada, segurando-a na parte da frente. O indivíduo conseguiu pegá-la e Lucius ajudou-a a puxá-lo para cima. Era um menino um pouco mais velho que eles. Ele tinha um cabelo moreno um pouco arrepiado para o lado e estava pelado. Ana soltou um grito agudo digno de uma mulher corando de vergonha.
- Não é hora para frescuras – disse Lucius. – Vamos levá-lo ao professor Writ.
Minutos depois o estranho estava deitado em um longo tecido de pano azul com a cabeça escorada em um pequeno travesseiro. Ainda não estava vestido, mas estava coberto com outro tecido branco um pouco menor que aquele azul. Lucius, Ana e Toth Writ encontravam-se em uma cabana circular de palha sem muitos móveis, apenas um armário e uma mesa de madeira e uma poltrona vermelha aparentemente confortável.
O estranho abriu os olhos. Os meninos se assustaram. As íris eram vermelhas, sanguinárias. Lucius teve uma impressão de que logo que o indivíduo havia acordado, não havia pupila nos olhos do estranho. Mas fora uma leve impressão: as negras pupilas estavam ali, intactas.
- O qu... o que está acontecendo? – perguntou o estranho, esfregando a mão na testa, como se estivesse com dor de cabeça.
- Você estava se afogando no rio e esses dois aqui te salvaram – falou Toth Writ com uma voz fria, meio grossa. – Tem um nome?
- Não lembro – falava com uma voz baixa, rouca. – Não sei nem se sou daqui.
Toth olhou em volta e falou:
- Bom, acho que seu grupo está completo agora.
4.
Uma semana depois do acidente, Andrey, como passaram a chamar o estranho, embora ele não lembrasse o nome, vestia uma calça, um tênis e uma camisa com mangas compridas, todos pretos. Ele recebera essas roupas de Toth, agora seu professor. Pelo que entendera, a cidade onde estavam era um local de treinamento de novos guerreiros, que tinham vaga garantida no exército, isso se quisessem aproveitá-la. Ele fora registrado pelas autoridades da cidade e agora era um cidadão comum. Era seu primeiro dia de treinamento com seu grupo. Os três, ele, Lucius e Ana, estavam sentados com as pernas cruzadas em uma área de planície nos arredores da cidade, esperando o professor Writ, que só chegara meia-hora depois.
- Alunos, terei de explicar algumas coisas a vocês – começou. – As profissões que querem ser devem ser escolhidas agora. Há dezenas delas. Os nomes estão nesses papéis que eu os entreguei – Andrey começou a ler: “Curandeiro – especializado em cuidar de feridos e é um bom suporte para uma grande equipe”. Não. “Espadachim – especializado em luta com espadas”. Continuou lendo. A maioria não lhe agradava. – Certamente não precisem ser apenas uma dessas profissões, podem escolher várias, mas lembrem: especialização é inversamente proporcional ao número de profissões.
“Além das profissões, há outra coisa importante nas suas carreiras: o elemento no qual são especializados. Esse último vocês não podem escolher, já nascem sabendo. Embora ainda não saibam qual é, esse dom se manifestará em breve. Os elementos são: fogo, terra, água e ar. Muita gente acredita que há um quinto elemento, o raio, mas os mais experientes já comprovaram que o raio é só uma derivação do vento, mais forte ou mais fraco, dependendo da situação.”
“Algum de vocês já tem alguma profissão em mente?”
Ana levantou a mão, abanando, como se responder a essa pergunta fosse algo muito importante que lhe custasse a vida.
- Pretendo ser maga – disse ela, ofegante.
- Qual tipo de maga? – perguntou o mestre.
- A que controla perfeitamente um elemento. Eu já sei que controlo o vento. Um ano atrás, em uma temporada de pesca com o meu pai... – ela se lembrou do rosto de seu pai e caíram algumas lágrimas dos olhos. Estava com saudades. – Bem, eu conseguia lançar o anzol mais longe que todo mundo justamente por causa disso.
- Boa escolha, uma maga elemental. Lucius? – Lucius Kreyd levantada lentamente a mão e foi surpreendido quando o professor falou o seu nome.
- Quero ser um espadachim escudeiro.
Escudeiros geralmente escolhiam essa profissão porque tinham medo da morte. Mas claro que se alguém fosse só escudeiro, a morte estava garantida, então os mais medrosos escolhiam escudeiro espadachim, escudeiro lanceiro, entre outros. Lucius Kreyd era um medroso.
5.
Testes para sair da ilha eram feitos de 6 em 6 meses, um pouco antes da remessa de novos guerreiros chegar. Ana e o grupo escolheram fazer logo o teste. Lucius e Andrey sabiam que não iam passar, mas ela, no fundo, tinha alguma esperança.
Eles estavam no corredor de uma caverna estreita, seguindo seu mestre, Toth Writ. Haviam encontrado alguns ratos no caminho. Alguns tentaram atacá-los, mas foram surpreendidos por uma faca, uma faca precisa, certeira, lançada de um atirador de facas do grupo, Andrey. A caverna era iluminada somente por algumas tochas presas nas paredes e pelo fogo que Toth controlava. Ana olhou para Lucius, que parecia preocupado. Ele estava todo vestido de marrom, inclusive com um elmo e um escudo de madeira; a espada que ele segurava parecia aquelas finas que piratas usavam, que facilitava movimentos rápidos. Andrey estava todo de preto, como sempre, com a diferença de que levava duas facas escondidas nas mangas e outras duas em um cinturão que o mestre lhe dera. Logo em seguida olhou para Toth Writ. Ele usava uma calça jeans azul, uma camisa branca de mangas compridas e um chinelo azul-escuro, velho; seu cabelo moreno era longo e ondulado.
Chegaram a uma sala que parecia construída, ou pelo menos reformada, pelo homem. Havia em grande buraco no meio da sala; ele tinha bordas de madeira. Havia também um outro buraco menor por onde passava uma escada. Mais adiante havia quatro alavancas. Perguntara ao mestre o porquê de elas estarem ali e ele respondera algo misterioso, como sempre: “Você descobrirá”. Desceram a escada. Havia uma bacia em cima de um pequeno suporte de ferro no canto da sala, ambos dourados; dentro dela havia carvão, que Toth logo acendera. Podia-se observar uma mesa com vários tipos de arma em um canto e, também, quatro portas no fundo da sala.
Descobriu para que serviam as alavancas.
A primeira porta logo foi aberta. Saíram duas criaturas de aproximadamente 2 metros dali. A cor delas era amarronzada. Andavam de duas patas. Tinham garras no lugar das mãos e, para um humano, eram bem magras. Ana reconhecera-as rapidamente. Trolls. Seu estuda servira então para alguma coisa.
As criaturas saíram pela porta lentamente mas, quando viram o grupo, logo investiram. Lucius não conseguia se mexer, estava com as pernas tremendo. Ana fez sair uma rajada de vento de suas mãos, jogando as duas criaturas para um canto. Era a segunda vez que não via sorte em controlar tal elemento; trolls eram criaturas frágeis ao fogo. A primeira vez foi quando pescava e pensara que, se controlasse a água, podia simplesmente fazer os peixes virem ao encontro dela. Andrey lutava contra eles. Lucius estava caído em um canto. Ana usou novamente sua sabedoria: fogo se alimenta de ar, ou seja, enquanto houver ar, pode haver fogo. Olhou para a bacia dourada e aproximou-se dela. Conseguiu fazer o fogo sair flutuando para fora da bacia e atirou-o contra os trolls, que, aos poucos, foram queimando até restar apenas cinzas.
Outra porta foi aberta. Uma criatura verde segurando uma lança saiu dali. Essa criatura vestia um colete e uma bota azuis e uma calça preta. Andrey atirou uma faca contra ela, mas a trajetória foi interrompida pela lança. A lança do ogro. Investiu contra o atirador de facas, mas parou quando sua arma foi quebrada no meio pela ação do vento. O ogro atirou a parte de cima da lança, onde estava a ponta de ferro, na barriga de Ana. Acertou. Andrey aproveitou a situação para lançar duas facas. Uma delas foi defendida pela parte que sobrou da lança e a outra acertou a mão direita, agora inutilizada, do ogro. A criatura verde acertou a cabeça do atirador com a lança.
Só faltava um. Alguém indefeso no canto da sala.
- Socorro – murmurou Lucius.
O ogro correu até ele. Quando estava a 2 metros de distância de Lucius, ele correu para outro canto da sala, desesperado. Não sabia o que fazer, não poderia fugir para sempre. Avistou a mesa ao lado dele, com muitos tipos de arma. Ali havia facas, um escudo de ferro, uma espada longa e grossa, um revólver...
Seu olhar parou no revólver. Correu até ele. Tinha apenas uma bala. Lucius Kreyd precisava acertar aquele tiro ou estaria tudo perdido. Mirou em qualquer lugar do ogro, não tinha tempo de visar um ponto vital.
Atirou.
6.
O grupo olhou em volta. Vários cadáveres estavam esticados no chão, incluindo as cinzas de dois trolls; muitos perfurados com facas e com balas de revólveres, outros apenas com cortes proporcionados pela pressão do ar. Juntos deles estava Toph Writ caído.
- Parabéns. Vocês passaram – falou o professor Writ com uma voz fraca, caído no chão.
Era o 16º teste que eles faziam. Já estavam ali há oito anos. Lucius se lembrou do primeiro, onde errara o tiro contra o ogro e fora salvo pelo mestre. Agora seus tiros eram precisos. Quase que totalmente.
Alguns dias depois, após a remessa de novos guerreiros, Lucius, Ana, Andrey e Toth pegaram o navio de volta ao continente. O pôr-do-sol era lindo.
- Quando chegarmos lá, faremos algumas coisas juntos – falou o antigo professor, Toth Writ. – Aproveitem a paisagem, por enquanto.
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ps.: Esse capítulo ainda não foi revisado, deve estar cheio de erros.