Parte 3.
Meu irmão riu da situação, mas ao mesmo tempo ficou meio irritado. Teria que voltar lá naquele buraco desconhecido.
Bem, como era o começo do ano, minha mãe estava querendo achar inúmeras formas de eu chegar ao colégio mais rápido para que eu pudesse acordar mais tarde. Na verdade, minha mãe queria que eu morasse lá no subúrbio com ela, eu não fui. Na verdade, não porque eu não gostava dela nem nada, mas poxa, uma coisa é a Zona Sul carioca, outra é o subúrbio, entendem? Dizia ela que eu chegaria mais rápido, verdade, mas tinha que pegar dois ônibus do mesmo jeito, preferi ficar na casa de meu pai mesmo.
Enfim, minha mãe trabalha nos correios e ela tem colegas de trabalho de todo o canto da cidade. Ela aproveitou o instindo "GPS" dos amigos e perguntou a algum deles se eles sabiam como chegar no tal colégio. Disseram para ela que era melhor eu pegar o metrô e depois saltar na estação Vicente de Carvalho, de lá, poderia pegar outro ônibus que deixava na esquina da rua do colégio.
Na verdade, eu já sabia dessa possibilidade, mas não queria arriscar, tinha medo de perder a hora. Meu irmão então aproveitou a ocasião da troca de uniformes para testar essa possibilidade de ida para o colégio. Apesar de eu ter retrucado, acabei aceitando, vai ver de metrô era melhor. O chato é que no meu antigo colégio eu já ia de metrô, fiquei dois longos anos andando só de metrô e imagina agora? Ter que andar mais e mais.
Chegamos ao metrô, eu já tinha ligado para a loja afirmando que eu precisava trocar os uniformes. A mulher disse que tudo bem, mesmo que eu já tenha usado uma camisa.
Embarcamos por volta de 3:00 da tarde. Nossa, como aquilo estava lotado. Eu já mal conseguia respirar quando cheguei ao centro da cidade. Meu Deus, parecia a Leste-Oeste de São Paulo.
Uma mulher loira-falsa estava na minha frente. Que saco, eu não tenho azar com essas coisas. Ela usava a droga de um creme fedorento pra caramba, estilo "Kolene". Nossa, pingava e cheirava mal demais. O desodorante? Vencido, só podia! Aquelas "pizzas" enormes molhavam a camiseta da senhora. Por sorte ela desceu na estação da Carioca, respirei aliviado. Aliás, na Carioca esvaziou bem.
Mas chegando na Central, milhares de pessoas embarcaram. Lugar para sentar? Nenhum! Eu estava lá, em pé, com aquela sacola na mão, cansado. Numa dessas milhares que embarcaram, entrou um coroa gordo. Mas não é aquela barriga de gordura, é de chopp. Ele estava com uma camisa social xadrez, uma bermuda meio velho, uma sandalha e com os óculos pendurados no pescoço. Suando em bicas, ele ficou do meu lado e levantou os braços para se encostar e enxugar o rosto ao mesmo tempo. Falava ao celular, aliás, falava não, gritava. Por que as pessoas falam tão alto no celular? Eu descobri que ele tem 2 filhos e a nora tinha comprado um lindo presente de aniversário pra ele. Descobri também que a tia dele estava no hospital. Metrô até parece cabelereiro, a diferença é que a gente não comenta as fofocas, guarda para si.
Chegamos na estação Estácio, local da baldeação. Se você veio ao Rio de Janeiro e nunca viu um arrastão, desça na Estácio. Nossa, é um amontoado de gente brigando na porta para sair correndo e conseguir lugares sentado no próximo vagão. Do lado de fora, era possível enxergar as pessoas se socando e mirando o lugar desejado.
Abriram-se as portas e foi dada a largada. Eu saí andando, já estava em pé fazia tanto tempo mesmo. Conferi se minha carteira ainda estava no meu bolso e fui até a outra plataforma, mais viagem.
Cheguei na estação de Vicente de Carvalho, a outra linha do metrô foi mais tranqüila, deu até pra sentar no chão.
Quando eu saí da estação eu avistei aquela parede de terra vertical cheia de barracos. Nossa, uma favela daquelas enormes. Vicente de Carvalho é um dos locais mais perigosos da cidade, uma pena, tem um shopping tão legal lá perto.
Peguei o ônibus que tinha saído da Penha e perguntei ao motorista se ônibus passava na Praça do Valqueire, onde ficava a loja. Ele disse que sim e então eu sentei no banco atrás dele. Era um microônibus, não tinha cobrador.
Estava tudo tranqüilo até passar o Mercadão de Madureira. Puta merda, quanta gente! Aí que eu comecei a ficar indignado: "Porra, um ônibus que lota tanto, por quê é Micro?! Que merda!". Não adiantava xingar pela consciência, pelo menos estava sentado, irritado, demais. Entrou a legião de sacoleiras. Mercadão de Madureira é um shopping popular, lá tem de tudo e é tudo mais barato. Eu já vi rico do Leblon que freqüentava lá.
Mas era uma sacoleira atrás da outra, crianças pequenas gritando e entrando por trás, outras pulando a catraca e passando por baixo, bagunça total. As mães gritavam e fofocavam, as Maria Pelancas também estavam presentes.
Um bom tempo passou, a viagem era estressante demais, eu já estava puto da vida, meu irmão até tentava puxar assunto, mas eu mal respondia. O tempo? Bem, demora o mesmo que o ônibus, aliás, demora até mais. As pessoas acham que o Metrô é o meio de transporte mais rápido e de fato é, mas depende do percurso que você faz. Determinados ônibus pegam linhas expressas e completam grandes trajetos em pouco tempo, o Metrô pára muito e a baldeação também é demorada. Prefiro o Metrô para caminhos mais curtos.
Eu já estranhava e o motorista não parava de conversar com uma mulher que estava ao seu lado. De repente, a gente começava a entrar em uma favela. Eu pensei: "Não lembro de ter favela perto do colégio...".
Até que eu perguntei:
- Ei, já passou da Praça do Valqueire?
- Ih rapaz! Esqueci! O carro enxeu e acabei esquecendo de você. - Filho da puta, pensei eu - Mas fica tranqüilo que eu te coloco em outro carro quando chegar no ponto final.
Tá bom, só podia ser isso mesmo, fazer o quê?! Depois de rodar a favela toda, na verdade, nem sei se era favela, era a Praça Seca, acho que nem tem favelas por lá.
Chegamos ao ponto e o motorista mandou a gente descer com ele, chegou ao fiscal e apontou para gente:
- Aí, eu ia deixar esses 2 na Praça do Valqueire, mas acabei esquecendo de avisar, bota ele no outro carro, voltando.
- Tá ok, vai lá.
Então o motorista olhou pra mim e disse:
- Sobe lá, menor! Aquele já tá pra sair.
Eu entrei no ônibus e pronto, deixei pra lá. Quando o ônibus ia fazendo o caminho eu perguntei novamente para o motorista:
- Sabe onde fica a Praça do Valqueire?
- Esse ônibus não passa na Praça do Valqueire.
Como não?! Porra, infeliz, o que estou fazendo aqui...
- Mas ele passa no Colégio (...)? - Eu já sabia que era perto, uma vez eu fui do colégio até a praça, embora tenham me dado informação errada e eu rodei o bairro todo.
- Não sei, mas tem um colégio no próximo ponto, pergunta a algum passageiro.
- Tá ok.
Cheguei a perguntar para um senhor e ele disse:
- É no próximo ponto, você desce no colégio e depois é só seguir a Estrada reto, sem parar!
Eu desci e ele ainda gritava pela janela para me informar, agradeci.
Cheguei em frente ao colégio e minha neurose não permitiu que eu não perguntasse novamente. E de fato a resposta era a mesma. Já eram quase 6 da tarde, a loja deveria estar fechando.
Segui reto a estrada do colégio até chegar a bendita praça. Reconheci logo de cara, ainda bem que já tinha ido ali. Encontrei a loja e a mulher já estava fechando e eu comecei a correr. Cheguei lá e só faltou me ajoelhar:
- Moça, por favor, me deixa trocar essas camisas! Eu comprei errado e o pessoal do colégio mandou em voltar aqui. Eu liguei mais cedo e disseram que estava tudo bem, poxa, eu vim lá da Zona Sul, peguei ônibus errado e tudo! Por favor...
A mulher ficou sem resposta, mas a moça que me atendeu pelo telefone apareceu na porta:
- Ah! Você é o garoto do telefone, das 4 camisas erradas?
- Sim! Eu mesmo!
- Tá bom, entra aí, vamos trocar...
Porra, nunca agradeci tanto na minha vida.
Troquei as camisas e respirava aliviado. Aliviado não, estava doido para dar uns berros com a minha mãe, me colocou numa puta enrascada.
Enfim, na hora de voltar, advinha? Ônibus mesmo, nada de metrô!
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Depois eu continuo