Sobre o aborto
E naquele dia,
o seu filho nasceu para dentro.
E quanto mais o tempo passava,
mais o menino crescia:
esbarrando no seu coração.
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Sobre o arrepio
O arrepio é quando,
por serem tão leves,
seus dedos conseguem,
em cada um dos meus poros:
soerguer uma flor.
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Tremores
Deito-me ao teu lado e meus dedos se desmoronam. Já não têm onde morar, esconsos e sozinhos, no cós da tua calça. Sinto o tremor do teu corpo, o zíper abrindo fendas num terremoto. O mundo se agita. A calça se parte. Minhas mãos são agora como fios de água sugados pela fenda na terra e entram pelos tecidos de poliamida e algodão. Minha boca te esconde em porões à prova de sismo: o teu corpo treme, as ondas se espalham. Pobre homem, não te assusta... a minha saliva te queima, mas minha língua te acalma: a minha boca é só um vulcão ao contrário. Toma essas pétalas escondidas no bojo dos meus seios: eu só queria que o teu mundo fosse tenro. E fosse calmo.
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Rolimã
Esta ladeira foi um abismo que se deitou
para que o menino pudesse brincar.
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Aula de piano
Eu espero a aula começar, meu pai no saguão, lendo o jornal. Levanto a tampa e o piano sorri, branco e vago, implorando algum som. Mas eu não sei lhe tocar, disseram meus dedos. E o piano estrondo, rancoroso da última vez que o professor deixou de tocá-lo para me. Meus dedos trêmulos tentando fá alcançar enquanto seus dedos por baixo de minha saia, tentando lá, sustenido, faz quase Sol e a partitura dizendo-lhe pausa de oito tempos! Pausa de oito tempos! Deixe-me respirar! Mas o professor desamarrando as cinco linhas do pentagrama e as amarrando em minhas mãos. Quando não pude mais, seus lábios toquei, sobre as oitavas, eu. Já reparou como o orgasmo é, silenciosamente, agudo? Implodi. Suaves estilhaços. As colcheias têm pontas. Há música dentro de mim fá sol. Meus dedos agarrados às teclas do piano. Seus dedos agarrados aos meus. Sim, meu pai, hoje tocamos a quatro mãos.
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Sobre as árvores
A árvore é o chão erguendo frutas ao alcance dos passarinhos. Exceto quando fazem sombra, nunca podem se deitar: sua função é equilibrar ninhos.
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Sobre eles
Ela afundou o corpo nele o mais que pôde, como se assim pudesse aprisionar um instante, como se assim pudesse aprisionar o amor. E ele, querendo as respostas que a vida não lhe entrega e que só uma mulher é capaz de abrigar dentro de si, puxou os seus quadris com a ânsia de escorregar para dentro dela e ali ficar. Só uma fêmea é capaz de dividir-se assim ao meio: a metade de baixo a sobrepor-se forte, desfalecendo as resistências do macho e a de cima a ampará-lo doce, beijando e acarinhando os medos de um filhote.
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Informe meteorológico
São os passarinhos bicando as nuvens
até derramarem a chuva por cima de nós.
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Sobre o ninar
A gente dorme de olhos fechados
que é para poder sonhar por dentro, amor.
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Sobre a poeira
Mas a poeira é só a vontade
que o chão tem de voar.
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Sobre o regador
O regador é só uma mentira de chuva
que eu tenho de contar às flores,
todas as manhãs.
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Sobre o olhar
Eu queria que seus olhos caíssem
no buraco negrodos meus
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Sobre a escala Richter
Os tremores da terra
são apenas as flores nascendo.
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Sobre os poetas
Então, quando você me beijar,
vai sentir o gosto da minha escrita,
pois a fim de nunca esquecê-las
eu trago todas as minhas palavras
na ponta da língua.
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Sobre o agora
Vivo tão intensamente o momento presente
que quase chego atrasada ao momento seguinte.
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Sobre a estiagem
E o arco-íris, que estava frouxo, deitado em algum chão desse mundo, esticou-se em arco no céu. Afinando, o Sol deu o tom.
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Diálogo
— E você, por que desvia o olhar?
(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarra-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)
— Ah. Porque eu sou tímida.
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Sobre a separação II
Quando você vai embora de nós
o pronome parte-se ao meio
você diz que só leva o s
e o que adianta?
se comigo sobra o nó
na garganta.
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Sobre o amor
Quem não compreende o silêncio
ainda não está pronto
para ser flor.
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Esse tópico não precisa de explicação pra ser
Metáforas por Rita Apoena
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