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Nem demorou, né? Narrado por Pepelu.Capítulo 21 - Uma nova missão.
Não era tempo de derramar lágrimas, nem de acordar à noite em desespero, nem de partilhar da dor. Passadas várias luas desde o mais fatídico dos dias, eu não procurava alento, ou conforto; apenas vingança. Prometi aos deuses que só descansaria em paz após dar a Arieswar o que ele merecia. Era, sim, tempo de fazer dos garotos, homens.
Daquele que de mim tirou muito mais que a vida, pouco eu podia usurpar. Além de sua alma, o máximo que poderia destruir era sua dignidade. Se não era muito, então devia fazer bem feito. E se por ninguém, além de si mesmo, Arieswar possuía amor, então era ao próprio a quem deveria ferir. Mas antes teria de arranjar um meio de colocar em definitivo seu nome na lista negra da cidade de Thais, e porventura de todas as terras que dela eclodissem.
Qual seria esse meio, e como o faria, eu ainda não sabia ao certo; preocupava-me mais com uma outra questão: como fazê-lo vivenciar sua desgraça? De nada adiantava rasgar a honra de Arieswar mais do que já fizera se ele não estivesse nesse mundo para sentir a dor.
Enquanto não tinha nada resolvido, tentava tocar minha vida. A Red Rose, que havia cessado todas as atividades por algum tempo, em sinal de luto, já havia retomado à normalidade, inclusive me convocando para uma missão de caráter extraordinário, em Fíbula. No momento estava viajando na pequena carruagem que nos levaria até a ilha, a Sudoeste de Thais, acompanhado de Octavian, meu velho amigo, e de Caramo, que apesar de integrante da guilda não era ninguém, além de um ilustre desconhecido.
No sacolejo da cabine, eu me perguntava o porquê de haver sido escolhido para aquela importante tarefa, uma vez que, devido aos últimos acontecimentos, eu era de longe o guerreiro mais despreparado psicologicamente para participar dos compromissos da Red Rose; ainda mais de uma pedreira como a que estava por vir.
Observando a paisagem passar veloz pela janela ao meu lado, veio em minha mente a imagem de Hesperides, e o quão irado ele ficaria se essa missão fosse bem sucedida. A última vez que o vi foi na tarde da morte de Kala, onde eu tripudiei do grande druida pelo fato de ter se arrependido de participar do comitê julgador que me absolveu; e principalmente por ter votado ao meu favor. Eu sabia, no entanto, que ele não teve alternativa, apenas seguiu instruções para que um conflito fosse evitado.
A situação à época era a seguinte: por ter atacado o mesmíssimo Octavian que agora se encontrava ao meu lado, Arieswar quebrara o tratado de amizade entre nossas guildas, desrespeitando também todos os nossos aliados, e dando-nos o direito de declarar guerra. Isso só não aconteceu por que a alta cúpula da Red Rose viu nessa ocasião a oportunidade perfeita para lucrar muito.
Resistindo à pressão de nossos parceiros, que queriam a guerra, minha guilda deu à Valheru a chance de tudo ser resolvido diplomaticamente; bastava eles acatarem certas exigências, como defender-me no julgamento, romper alianças e pagar uma altíssima quantia em dinheiro. Sem perspectiva de vitória caso o embate realmente acontecesse, só restou a eles atender à requisição.
Era esse o motivo de Hesperides ter me defendido no tribunal: o cumprimento de ordens impostas pela Red Rose em troca da paz; e eu sabia disso, mas não havia deixado de debochar dele. Agora, no entanto, a situação era outra; tínhamos uma missão por cumprir que estava fora do conhecimento do druida ou de qualquer outro membro da Valheru, e que poderia vir a ser de igual importância àquela em que acabei de vos relatar.
Quem não parecia muito animado com isso era Octavian. Ao cessar do trote dos cavalos, ouvi-o suspirar profundamente:
- Então é isso...
- Tudo vai dar certo, rapaz, calma. – disse, tentando animá-lo.
- Isso vai dar merda. – respondeu ele, sem olhar pra mim – Já falei que isso vai dar merda...
Nosso condutor então abriu a porta para que pudéssemos sair. Ao pisar na grama, encher meus pulmões de ar, e dar uma bela olhada para a imensidão do mar, que ao horizonte fundia-se com o céu, eu senti que o mundo absorvera a beleza incomparável de Kala. Fiquei contemplando a paisagem, até a voz do condutor me trazer de volta à realidade.
- Bom, aqui é o máximo que os cavalos podem ir. Sabem o caminho, não sabem?
- Sim. – respondeu Octavian – Muito obrigado.
Acenando com a cabeça, ele deu meia-volta, chicoteou os animais e partiu. Observei-o cortar a estrada em meio à planície Thaiense, até ficar por demais diminuto. A cidade, porém, ainda era visível, e, diga-se de passagem, impetuosa, mesmo àquela distância.
- Vamos. – chamou o tal Caramo.
Não posso omitir que dei uma olhada torta para aquele sujeito, que nem nos conhecia e ousou dar-nos uma ordem, mas deixei passar daquela vez. Entramos, então, no túnel subterrâneo que levava à Fíbula.
- Ainda bem que alargaram isso aqui. – comentou Octavian.
- Também, com os impostos que a gente paga... – falou o outro.
Desde que um imenso monstro marinho fora avistado na baía entre Fíbula e a ilha vizinha, Calcânea, cessaram-se as navegações pelo local. Lógico que isso prejudicou e muito o desenvolvimento das ilhas, mas a corte achou menos dispendioso construir uma passagem submersa do que mandar explorações atrás da besta. Quiseram os deuses, no entanto, que Calcânea fosse invadida por outra criatura, que encurralou os habitantes ao destruir a entrada do túnel, e cruelmente os matou. Mas, enfim...o fato é que eu sempre procurava traçar aquele caminho com rapidez; até por que ao final havia uma brilhante recompensa.
Protegendo meus olhos da luz ofuscante, eu cruzei a passagem final e cheguei à inigualavelmente bela, Fíbula.
A ilha estava especialmente admirável aquele dia. O gramado reluzente mesclava-se ao campo florido que cobria grande parte da região. As árvores, grandes e suntuosas, exaltavam vigor e energia, contrastando assim com a delicada cobertura florida para o chão que sustentava suas raízes anciãs. Os animais, interagindo com o ambiente, completavam o cenário.
Estava me deixando contagiar pela paisagem, mas não podia esquecer do motivo pelo qual fora até ali. Sabia que aquele lugar me faria lembrar de certos momentos que tive com Kala, e não podia ficar descontrolado emocionalmente naquela hora. Seguimos então a trilha que ia em direção ao vilarejo local, apesar de não ser esse o nosso destino. A certo ponto, dobramos à direita, e fomos por um caminho alternativo, muito conhecido por qualquer um que ali morasse, já que nos levaria ao único bar do arquipélago.
Nossa tarefa seria, em outras circunstâncias, simples; no entanto sabíamos que aquele era um momento tenso, e que não podíamos falhar. A missão era recrutar dois elementos para a guilda, o que não seria feito com tamanha cautela se eles não fossem ex-membros de uma certa rival; falo de Sebastian Lightbringer e Josef Martin, que há poucas luas pertenciam à Valheru. Esse era o motivo da minha preocupação; que acabava por ser catalisadora da minha insegurança.
Chegando ao local combinado, encontramos os dois sujeitos facilmente. Estavam encostados no balcão, bebendo alguma coisa e conversando entretidamente com a atendente. Deixei Octavian tomar a frente do grupo e ir de encontro aos dois. Estalei os dedos, engoli a saliva e tentei conter o nervosismo; o fato é que eu ainda estava muito mal da cabeça.
Ao perceberem nossa presença, eles educadamente dispensaram a jovem e foram nos cumprimentar.
- Octavian! – exclamou Lightbringer, abrindo um afável sorriso – É uma honra poder conhecê-lo fora das condições de inimigo.
- Tanto quanto para mim, Sebastian. – retribuiu, apertando sua mão. – E você, Josef? Como tem andado?
Josef Martin não respondera com palavras, mas sim com um breve aceno de cabeça. Eu não ia muito com a cara de Lightbringer, mas devido às circunstâncias cumprimentei-o, sentindo, contudo, certa frieza em seu olhar quando este cruzara com o meu. Fui então falar com o tal Josef, a quem não conhecia, e que realmente não parecia muito empolgado com a oportunidade. Estendi a mão, mas este me deixou apenas esperando um cumprimento que nunca viria.
- Acredito que o prazer seja só meu. – falei, recolhendo a mão tolamente estendida.
Caramo o saudou de longe, estranhando tal hostilidade; de fato, pude sentir sua mão roçar a bainha onde guardava a espada.
Escolhemos uma mesa, pedimos uns drinques, e iniciamos uma conversa. Eu ainda olhava, cauteloso, para Josef Martin, que parecia realmente inquieto. Depois de um certo tempo de puro papo furado, chegamos ao ponto que realmente interessava:
- Então, meus caros – começou Octavian – Eu creio que os senhores estejam prontos para assinar em nome da guilda Red Rose, não?
“Gostaria de lembrá-los que essa é uma oportunidade única. Nós estamos cada vez mais cotados e logo haverá uma acirrada concorrência até mesmo para tangenciar um cargo no nosso grupo. Somos uma promessa que logo será confirmação. Somos o nome do futuro.”
Bem convincente. Octavian tinha mesmo o dom da fala, e não por acaso fora designado a tal missão. De fato, nem parecia que estava ali contra sua vontade, e sim que não havia no mundo coisa melhor para fazer. Lightbringer estampou no rosto um largo sorriso, e não fez nenhuma cerimônia em dizer:
- Não nos resta dúvidas. É com grande prazer que iremos fazer parte da Red Rose, meu bom Octavian.
Eu fiquei mais relaxado. Havia uma certa pressão sobre nossos ombros, mas tudo parecia estar se encaminhando da maneira mais tranqüila possível. Doce ilusão. Josef Martin pediu a palavra, e não confirmou a declaração que o antecedeu; muito pelo contrário.
- Eu creio que não estamos prontos no momento. – falou, para surpresa geral.
Aquilo foi realmente inusitado. Senti Caramo se ajeitar na cadeira; Octavian coçou a barba, e eu mordi os lábios. Ansiando por sair dali rapidamente, e com tudo praticamente encaminhado para um desfecho agradável para ambas as partes, não contive o desgosto ao ver que ainda havia algum impasse. Sebastian, pelo jeito, também não; seu sorriso agora era falso e sua expressão era desembaraço.
- Ora, Josef...não seja leviano. – disse, mantendo o sorriso forçado, mas fuzilando-o com o olhar – Nós não havíamos chegado a um acordo?
- Sim, mas... – gaguejou – Eu resolvi ver a coisa por um outro ângulo.
“Outro ângulo?”, pensei.
- Por que motivo? – perguntou Octavian.
- Acho que não é a vontade dos deuses.
Eu não sabia nem o que pensar; imaginei que ele estivesse passando mal ou algo parecido. O que quer que fosse, só sabia que era melhor voltar à sanidade logo, ou tanto ele quanto Sebastian estariam em maus lençóis. Lightbringer sabia disso, e não tardiamente pediu um momento de privacidade com seu companheiro.
Eles se levantaram e foram conversar em um canto na parte descoberta do bar, que não era um ambiente fechado; apenas protegido por um forte telhado. Ainda tomados pela surpresa, nós ficamos a nos perguntar o que podia estar acontecendo.
- Eu falei que esses caras iam nos trazer problemas. – frisou Octavian – Só não esperava que fosse tão cedo.
Preferi ficar quieto. O suor escorria do meu rosto, e eu já nem fazia questão de enxugá-lo; só queria sair dali logo. Foi a primeira vez que me senti tão mal na minha adorada Fíbula, e de fato desejava ir embora. Observando tudo, pude ver que a discussão entre os dois estava quente.
Assim como Sebastian, eu não conseguia imaginar o porquê de Josef Martin estar se comportando de maneira tão estranha; contudo sabia que era grave, e ruim. Passado algum tempo, decidimos mandar alguém lá resolver de vez aquela situação, que ainda esperávamos ser apenas um mal-entendido. Octavian se dispôs a ir, porém suspeitando que ele não seria tão veemente quanto necessário, preferi tomar para mim às rédeas da situação.
Com a intenção de chegar para dar um ponto final ao assunto, fui logo me intrometendo na conversa dos dois. Tinha interesses na participação de pelo menos um deles, e, de fato, não me importava de que realmente fosse apenas um.
- Chegamos a uma conclusão, senhores? – perguntei.
Sebastian, ainda que sem jeito, tentou passar uma segurança claramente inexistente. Enquanto tropeçava nas palavras, Josef foi mais direto:
- Não vou me juntar a vocês. Não existe essa possibilidade.
Foi então que fiquei realmente irritado. Se não iria assinar pela Red Rose, o que diabos ele estava fazendo ali? Resolvi ignorá-lo e persuadir Lightbringer, que parecia ainda estar sob a luz da consciência.
- Vamos, Sebastian. Faça logo o que você veio fazer. Deixe que eu me resolvo com Josef.
Convencido, ele se virou para ir em direção à mesa, onde Caramo e Octavian o esperavam. Foi aí que o inesperado aconteceu.
Sem mais palavras, Josef apunhalou Lightbringer pelas costas e saiu correndo. Pego de surpresa, eu nada pude fazer num primeiro instante, mas ao meu cérebro digerir a informação, tentei persegui-lo, mas logo fracassei. O sujeito tinha a real noção de que corria para salvar sua vida, e eu, ainda fora de ritmo, não consegui alcançá-lo de jeito nenhum. Nem mesmo Caramo, que ainda me passou na corrida, chegou perto de capturá-lo, apesar de ter corrido quase até a saída do túnel de Fíbula, por onde Josef escapou.
Agachado na grama, bastante ofegante, eu tentei compreender o que meus olhos viram, mas os pensamentos não aceitaram. Olhei então para os céus e perguntei aos deuses se aquela missão não era mesmo da vontade deles. Mais tarde, no entanto, saberia que acima das vontades dos deuses, parecia estar a vontade de outra pessoa.
··Hail the prince of Saiyans··
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Postado originalmente por Kamus re
