Conto do concurso.
Relógio
O sol brilhava estranhamente forte naquela manhã de Rookgaard. Os raios penetravam facilmente os frágeis telhados dos estabelecimentos da ilha. No entanto, não fazia tanto calor. O ar estava úmido e uma leve brisa vinda do oceano soprava. A bela manhã ensolarada não era esperada, ventos frios e chuva ao fim da tarde eram mais prováveis. Nem sempre se acertava tudo. Por isso mesmo que já não se acreditava em bolas de cristal e nem em bruxas sabe-tudo, o mundo não funcionava com previsões. Um surto qualquer podia mudar tudo, finalizar um ciclo, dando início a outro totalmente diferente.
O clima favorecia o mercado daquela cidade, sem a chuva, mais pessoas saiam nas ruas a passeio e sempre acabavam se deparando com vendinhas. Negócio bom, de qualquer tipo de coisas, desde armas até utensílios velhos. A grande verdade é que nada ali tinha muito valor. Aquela ilha era limitada em tudo, em recursos e até em pessoas. Volta e meia um alguém novo aparecia por aquelas bandas, se fazia um estardalhaço e logo depois tudo voltava ao normal.
Um daqueles adereços chamara a atenção de um homem muito alto que se postara a observá-lo. Ostentava um belo circulo de ouro com uma pulseira arredondada que encaixava com perfeição no pulso. Dentro dele, protegido por um vidro arredondado, duas setas, uma longa e outra mais curta giravam proporcionalmente.
— O que é isso? — perguntou enfim.
— Isso? —a vendedora segurava o objeto em suas mãos. — Isso aqui é um relógio.
Ele ficou admirado.
O objeto havia lhe trazido uma curiosidade tamanha que ele seria capaz de tudo para saber seus segredos. Seu barulho ritmado dava o tom das idéias daquele senhor. Há muito tempo não sentia tanto prazer, tanta ânsia em descobrir algo. Seu coração ganhara um novo motivo para bombear o sangue para seu corpo, havia sentido em seus esforços em bater e bater.
Visceral fora sua inspiração que este se divertia até mesmo com o tic-tac infernal do objeto. Será que servia para descobrir novos tesouros? Ou seria um místico talismã?
Um sonho distante relampeava bravamente em seu eu interior, algo incrível emanava dali. Uma coisa tão magnífica e ao mesmo tempo tão simples. Jamais havia visto movimento assim antes, nem mesmo nos mais incríveis utensílios que havia coletado em suas empreitadas.
Sua vida nunca tivera grandes aspirações. Os anos que passava contavam os passos para um fim sem grande vislumbro. Uma existência inútil. Sempre com um vazio tão lamuriante. Vazio este que tinha sido preenchido por aquele objeto. Tão bizarro a seus olhos, totalmente diferente dos outros comuns objetos, estáticos e igualmente vazios. Aquele ali nas mãos da vendedora tinha vida, vibrava e podia morrer, como ele.
A morte naquele momento parecia algo singular, coisa de gente. Coisa de relógio.
De súbito ele pergunta.
— Pra que serve?
A moça entretida com os vários clientes que se interessavam veemente por outras coisas, bobas demais para chamar a atenção daquele senhor. Finalmente ela conseguiu responder:
— Serve pra você ver as horas.
Um sorriso desenhou-se em seu rosto. Ele ficou estático, assim como o sangue que corria por suas veias. Seu coração desacelerara rapidamente. Sentiu um calafrio estranho subir por sua espinha. Seu corpo suava, mas ele não sentia calor, na verdade estava frio como uma pedra.
Por mais simbólico que pudesse ser a expressão em sua face, ela havia sido falsa. Tão falsa quanto os ponteiros, que giravam e giravam sem mostrar nada. As horas não passavam de meras marcações inválidas e incorretas. Logo o tempo, o seu maior inimigo! Aquele objeto tão perfeito era comparsa do seu maior rival, da única coisa que derrubaria aquele velho guerreiro.
— O senhor vai querer comprar? — indagou impaciente a vendedora.
— Não, porque eu iria querer uma coisa tão inútil como essa?
Ouviu a moça gritar-lhe nomes horríveis, mas pouco ligou.
Caminhou rapidamente pela cidade e viu os corredores se multiplicando. As horas o aprisionaram. Olhava ao seu redor e via mortos caminhando. Pois se afinal todos morreriam, então porque não dizer que todos já estariam mortos. Era como uma sentença, uma prisão perpétua.
A vida tinha sido repleta de batalhas. Havia viajado para outros continentes, matado dragões gigantescos, demônios e até outros homens, tudo que havia cruzado seu caminho e o desafiado tinham morrido. Achava que seu vigor era eterno. Mas enfim, havia concluído que nunca poderia vencer seu maior inimigo.
Depois de alguns meses a cidade de Rookgaard ficou sabendo do velho homem que morrera só, num casebre longe do centro. Naquele ser de porte alto e de bela fisionomia sempre existira um relógio. Com ponteiros mais velozes do que os vistos na vendinha. Nele, o tic-tac era eterno, ao menos eterno enquanto durou. Ele não passava de um objeto.
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