6
Na praça, Lug abriu os olhos e deparou-se com a multidão ao seu redor. Meio indiferente, levantou-se e perguntou onde estava; que lugar era aquele. Uma das pessoas o reconheceu:
- Lug... Vo... Você está em Othialla! Por Fýyr, onde mais poderia estar?
- Ah! Respondeu, sem dar muita importância.
Lug olhou a cidade como se nunca houvesse estado ali, com um olhar cinza e sem brilho, ao mesmo tempo vago e analítico. As pessoas confabulavam sobre aquele estranho ser que aparecera no meio da praça. Uns estavam felizes por Lug estar de volta, aparentemente bem. Outros diziam que Lug estava morto e que aquele era apenas o seu fantasma, enviado para amaldiçoar o povoado por algum demônio dos mares. Alguns falavam também no séssartróllar que teria tomado a forma de Lug para, à noite, alimentar-se dos cérebros das criancinhas. Um velho senhor que estava ali perguntou a Lug sobre seus amigos marinheiros. De uma forma friamente natural, Lug virou-se para o velho e respondeu que não sabia. Foi nesse momento que, em sua longa camisola branca, Shirà apareceu, correndo ao seu encontro...
- Lug, meu amor! Você está vivo! disse, abraçando com todo o carinho do mundo aquele homem maltrapilho. Em seguida, deu-lhe um longo beijo, sem importar-se com o odor e sabor metálicos de sua boca ressecada.
- Shirà... Eu estava com saudades dos seus braços... Vamos para casa. Prepare-me um banho, por favor, pois estou muito cansado.
- Sim, Lug. Vamos logo.
Shirà pareceu reanimar seu marido, como se ao vê-la, este voltasse a si mesmo. Já não tinha mais a aparência perdida e alheia à realidade de antes. Após Shirà vieram Mylla, sua irmã e Wrebh, seu vizinho. Tenner ficou em casa com a filha, que não quis ver o tio. Os quatro foram para a casa de Lug, em silêncio. Passada a euforia do encontro, todos estranhavam a aparência de Lug: apesar de seus trinta e três anos, ele aparentava agora ter cerca de cinquenta. Chegaram a casa e Mylla ficou com Wrebh na sala, enquanto Shirà desceu com o marido para preparar-lhe um banho com sais perfumados.
Wrebh, o vizinho de Lug era um homem de aparência roedora, não muito alto, com cabelos negros cacheados, corpo e rosto massudos e nariz redondo, sob o qual ele cultivava um esquisitíssimo bigode que pairava sobre uma pequena boca com dentes salientes. Devia ter entre trinta e cinco e trinta e oito anos e era tão desengonçado quanto parecia. Falava pouco, parte medo de dizer o que não devia, parte por não ter muito assunto, mas era sempre muito prestativo. Ficar ali naquela sala junto de Mylla causava a ele certo desconforto. Resolveu, então, voltar para a padaria.
- Senhora Mylla, vou deixar vocês. Tenho trabalho me aguardando. Acho que já não vão precisar mais de mim, né? Se quiserem algo, saberão onde me encontrar.
- Tudo bem, Wrebh. Obrigado por tudo.
Pouco depois, Shirà apareceu. Mylla não quis tecer comentários sobre Lug, apenas limitou-se a perguntar se o irmão estava bem, no que Shirà respondeu com um sinal de cabeça. Mais ou menos uma hora depois, Lug apareceu na sala, já com aparência bem melhor. Seus cabelos ondulados estavam mais arrumados e a barba estava feita. Trajava agora uma bela túnica avermelhada, com um cinto dourado. Foi até a mesa e sentou-se com as duas mulheres.
- Mylla, minha querida irmã... Como estou? Lug, ainda visivelmente abatido, parecia fazer um esforço hercúleo para esboçar uma alegria. Mylla apenas sorriu de forma positiva.
- Lug... Conte-nos! O que houve com você? O que aconteceu com seu barco, seus amigos? Porque demorou tanto a voltar? Shirà, pelo visto, tinha várias interrogações em sua mente.
O semblante de Lug ficou sério. Olhou para as duas mulheres. Fez-se um silêncio. Por fim, ele disse:
- Seu aniversário estava próximo, Shirà. Resolvi que iria até os rochedos de Darder no extremo sul para procurar a raríssima pérola escarlate, para presenteá-la. Minha equipe toda concordou.
Houve uma nova pausa. Nisso, Lug começou a murmurar algo. Com uma voz estranha que parecia cuspida por entre os dentes disse:
- ...E nunca chegamos em Darder, sabe? Acidente. Mar perigoso, ali. É! Errei o caminho. Eram pedras. Era uma torre. Noite. Tempestade. Ondas. Sangue. Morte... Sim! Uma torre! E uma ilha! Uma ilha que chorava! Uma ilha aos prantos! Eu matei! Foi ruína! A tempestade! Desespero! Gi... Le... Farg... AAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!
Mylla e Shyrà estavam perplexas com a cena e a súbita alteração de humor. Lug tossiu aquelas palavras desconexas com a maior dificuldade do mundo. Pareceu ter dito tudo sem respirar. Estava com os olhos vermelhos e sem fôlego. Após dizer aquilo, apenas pediu licença e foi se deitar.
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@Tadeik: Que bom que gostou da história! Obrigado pelos comentários! Fico feliz, pois escrever essa história dá um certo trabalho... São muitos os detalhes e, com isso, aumentam as chances de haver passagens incoerentes. Costumo reler várias vezes os capítulos antes de postar aqui. Fui pesquisar sobre os TRASGOS e, de fato, são duendes da mitologia portuguesa. Como eu disse, podem ser EQUIVALENTES aos trolls. Usarei o termo pois quero evitar nomes em inglês. Já basta a língua fyr pra confundir... :triste:
@Outros_Leitores: foi mal o capítulo-grande... O desencadear dos acontecimentos obrigou... hehehehe
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Nomes que aparecem nesse capítulo:
- Darder: ao sul de Othialla, em um local de mar um tanto agitado, há uma pequena formação rochosa. As conchas que vivem ali produzem a "pérola escarlate" de coloração avermelhada. "Darder" vem de "Dardermyszà" - "Pedras Isoladas"
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7
Antes de continuarmos com a história, faz-se mister uma breve menção à administração de Othialla. O comando da cidade ficava a cargo de Chefe, escolhido pelos druidas e sacerdotes em um ritual complexo. Esse Chefe tomava as decisões na cidade, que tinham de ser aprovadas pelo Conselho, composto de cinco membros escolhidos pela população. Resumidamente, esse era o sistema político na cidade, cuja estrutura básica era muito comum nos demais povoados fyr. No momento, o Chefe da cidade era Rhizód Frinneqa, um homem forte e austero, notável caçador, inteligente, justo, respeitados por todos. Rhizód não era natural de Othialla, era um fyr do norte - seu sotaque monótono entregava suas origens - que se estabeleceu na cidade, adquirindo notoriedade no local.
Na semana marcada pela volta de Lug, Rhizód não ouvia falar em outro assunto em seu escritório, próximo ao farol. Muitas pessoas iam vê-lo querendo saber notícias do pescador, outras, mais supersticiosas, pediam que decretasse seu banimento para terras afastadas. Muitos chagavam a afirmar a aparição um fantasma flutuando sobre o mar, em direção à cidade na noite de sua volta. Naquela manhã, Rhizód resolveu visitar Lug. Os dois eram conhecidos, não sendo íntimos. O Chefe não tinha a mínima intenção de baní-lo e não era muito supersticioso. Na verdade, acreditava que o povo estava apenas chocado com um acontecimento pouco usual, que quebrou a monótona rotina da pequena cidade perto do mar. Sua maior preocupação era o destino dos quatro homens que embarcaram com ele e não voltaram. Saiu de seu escritório e, na companhia de um dos membros do Conselho, caminhou até a casa de Lug Mariel.
Após mais ou menos sete dias de sua chegada, Lug estava mais coerente em seu comportamento. Falava pouco, dormia muito, estava visivelmente cansado, mas nunca mais foi visto falando sozinho, murmurando bizarrices incompreensíveis ou cuspindo frases desconexas. Sua família achou melhor não perguntar mais nada sobre o ocorrido durante sua viagem, porém, o tema seria trazido novamente à tona naquele dia.
Foi o próprio Lug quem atendeu à porta de sua casa. Lá também estava seu amigo Tenner e sua esposa Shirà.
- Senhor-Chefe Frinneqa, Grande Caçador das Terras do Norte! Bem vindo à minha casa. Vamos entrando; pedirei a Shirà que lhe sirva o nosso melhor chá!
- Muito obrigado, Lug! A hospitalidade dos Mariel é sempre acolhedora. Venho aqui com meu amigo Targos, Representante do Conselho. Gostaríamos de conversar com você.
Sentaram-se na sala. Shirà percebeu que eles iriam falar sobre a viagem e ficou apreensiva. Mas sabia que era inevitável. Em algum momento, iriam tocar no assunto. Qual seria a reação de seu marido?
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Nomes que aparecem nesse capítulo:
- Rhizód Frinneqa: Chefe de Othialla. Rhizód é um caçados das terras ao norte que fez daquela pequena cidade o seu lar.
- Targos: representante do conselho.
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