Cordel e outras poesias

[Wu Cheng]

Cordel


Cara de Coco tava meio injuriado
e abraçado com a garrafa não queria amolação

Cobra Coral, que não era fala pouco
cutucou Cara de Coco e começou a confusão

"Tu me respeita seu cabrito sem vergonha
Minha mãe, Maria Antonha, na peixeira eu sou o cão"

"Reco-reco, Tico-tico, Mafuá
Me chamam filho do vento, hoje a cobra vai fumar"

Mas a Lozinha, moça delicada e pura
que partiu nessa aventura de noivar Cobra Coral

Tava encolhida, passarinho no xaxim
Acuada, reprimida, branca que nem aipim

Brilhou a faca, punhalada traiçoeira
Cobra não marca bobeira, salta longe e cai de pé

Ficou Lozinha esperando o Deus dará
Recebeu risco certeiro, só deu tempo de assustar

O sanfoneiro vendo a situação
resolveu tomar partido e gritou para o salão:

"Guenta o andor, que a Lozinha se danou
Traz o padre e a benzedera, a hora dela já chegou"

E foi na reza, no unguento e patuá
que os briguentos se picaram, pr'acabar de se matar

Mas só um talho é coisa pouca pra aflição
A moça logo tava boa, o padre largou extrema unção

O sanfoneiro vendo a situação
resolveu tomar partido e gritou para o salão:

"Esquenta o forró, que a Lozinha tá mió
foi doença passageira não carece de abricó"

Baile na roça voltou logo a se animar
o sanfoneiro satisfeito terminou de recitar:

"O barco vira, virou
quem tem padrinho bonito garantiu lugar no céu"

"Dessa vida só se leva o pensamento
É melhor andar direito do que se entortar pelo sustento"

~*~

Flor de Laranjeira


Parado no salão, com cara de bobo
Eu vejo teu pescoço, te vejo rodopiar

Fico sem ar, não tenho o que falar
Juntando minhas forças eu te chamo pra dançar

Os teus cachos dourados lembram a casca da laranja
E o teu cheiro doce, a flor de laranjeira

Dançamos a noite inteira, até o sol raiar
Depois num chameguinho vemos a vida despertar

Teu cheiro doce lembra a flor de laranjeira
Eu quero o teu calor, moça te quero inteira

Vira mundo, vira pião
Vira cabeça, vira o coração

~*~

Rosa Amarela


Fui comprar um presente pra ela
Pra conquistar o seu amor

Achei perfume de cravo e canela
Cordão, fivela, bibelô

Tudo caro, preço inflacionado
Meu dinheiro é contado, devagar com o andor

No meu bolso nem um tostão furado
Chamei todos os santos e o Nosso Senhor

Dei pra ela uma rosa amarela
Que colhi no meu quintal

E num gesto de beleza tão singela
Seu rosto brilhou num sol matinal

Depois de trocadas juras de amor
Olhando da praia o sol se pôr

Agradeci a Deus e a meu Pai Oxalá
E só pra garantir, agradeci Iemanjá

~*~

Coisa incerta


Sorrir, quando quero chorar
Partir, quando quero ficar

Amar, amei
Se não soube cuidar do seu coração, não sei

Por que ficar nessa solidão?
Posso ter os motivos só não vejo a razão

Te chamei pra sambar, sambei
Me perdi no seu olhar, me achei
Quando você disse que podia me amar

Necessidade de provar
Felicidade, essa coisa incerta
Devo ter medo de me apaixonar também

~*~

Batuque das Ruas


Calixto descia a ladeira
da Lapa na madrugada

Numa mal calculada passada
chora cuíca, ele beija a calçada

E a morena sambando distante
alheia a Calixto no chão

O batuque das ruas não tem coração

~*~

Carina

Me bate uma saudade no peito
Desse teu jeito de menina
De falar dos teus defeitos
Das virtudes de Carina

Me perder no teu olhar
Nesses teus olhos verdes do mar
É como navegar na noite escura
É partir numa aventura... e não voltar

Eu já nem sei o que é preciso
Pra fazer o que é direito
Pra consertar o malfeito
E ter de volta o teu sorriso

~*~

Milena

Milena da boca pequena
Da malícia serena
Traz no olhar o brilho do céu
do sol e do mar

Deixa o povo sem ar
Quando passa a morena
Levando meus sonhos
Pra onde quiser me levar

Por que amar?
Por quê, amar?
Porque amar
É te ver caminhar.

~*~

Uma desculpa (esfarrapada) para o alto nível de glicose em alguns poemas acima:

Desde que o mundo é mundo há as mulheres e os homens que tentam conquistá-las.

Por uma destas maravilhas da natureza, as nossas toscas iniciativas são confundidas com inspiração e sensibilidade.

Tenho uma teoria de que o amor nasce da confusão e do mal-entendido, quando percebemos isso já é tarde demais e estamos apaixonados.

[Ldm]

Demorei a postar justamente pelo tema dos poemas.

Acredito que grande parte dos poemas que você apresentou demonstram certa musicalidade. Meu preferido foi "Rosa Amarela", que não foi aquele tipo de poema meloso que repete infinitamente a mesma coisa. Foi divertido e bonito.

"Batuque nas Ruas" também me agradou bastante. Acredito que foi o único que fugiu do tema romântico; ou talvez não.

Enfim, quanto aos outros, de fato não são dos meus preferidos. Reforço a ideia de musicalidade, até pela disposição dos versos, que tendem para este lado musical.

E, é claro, "Cordel", que me faz sorrir a cada nova leitura. Parabéns pelo concurso, foi bem merecido. Até mais.

[Wu Cheng]

Demorei a postar justamente pelo tema dos poemas.

Valeu pelas críticas. Como você disse, o tema não é universal nem o modelo é do gosto de todos.

Normalmente, pra quem não é poeta de verdade, as poesias têm um destinatário certo, então não interessam muito às outras pessoas.

É como se a gente fosse publicar as cartas que mandamos pra alguém, não vai interessar a mais ninguém.

Coloquei mais como curiosidade mesmo. Já que ia postar o Cordel pra ter um link na assinatura, anexei algumas faixas bônus

[Drasty]

Vou te dizer que não sou nenhum pouco fã de poesia, pode até ter sido notado isso na minha poesia do concurso, bem burocrática. Mas gostei das suas, como o Ldm disse elas tem uma musicalidade que torna a leitura prazeirosa.

Minha favorita é "Cordel", soa sarcástica e brincalhona na medida certa. O jogo de palavras é bem interessante também, você não perdeu o tom em nenhuma frase.

Tenho uma teoria de que o amor nasce da confusão e do mal-entendido, quando percebemos isso já é tarde demais e estamos apaixonados.

Melhor frase do tópico, bem interessante isso. Mesmo!