Acabei essa parte! Finalmente... E acho que já tá de bom tamanho. Novamente peço desculpas pelo atraso... Tá ai...

Anteriormente...

Nesse momento um estrondo no jardim do Santuário despertou Shalkan de seus pensamentos. Apesar de um pouco perturbado, ele rapidamente saiu de seu salão e do santuário, indo encontrar no jardim bem em frente uma cratera de dois metros de diâmetro, e no centro dela uma pessoa, vestindo um manto marrom escuro, da cor exata da terra.

— Shalkan, que prazer em vê-lo. – disse Dard, fazendo, sem nenhum gesto, com que uma rocha voasse em direção ao rosto do outro Guardião. Shalkan congelou a rocha em pleno movimento e a despedaçou, também sem fazer nenhum movimento.
— Não posso dizer o mesmo, ao que parece. – disse Shalkan, aparentemente nervoso.

Capítulo 6[parte 4] - Além das leis
Gelo versus Terra


— Ora, qual é Shalkan! – falou Dard, abrindo os braços como se estivesse insatisfeito, mas em seguida batendo as mãos subitamente uma na outra. Dois blocos de terra saídos do chão, um de cada lado de Shalkan, se chocaram, onde ele havia estado um segundo antes. Este, por sua vez, pulara, e apontara os dois braços para os blocos de terra, que se congelaram e voaram em direção a Dard. Este não se deu ao trabalho de pular: fez um outro bloco de terra subir do chão para bloquear o ataque. Assim que tocou o chão, Shalkan virou-se para Dard subitamente, fazendo uma meia lua com o braço. Acompanhando o movimento da meia lua uma estalactite foi surgindo, na horizontal, e foi em direção à Dard, atingindo-o, e o perfurando na altura do peito, lateralmente.

Shalkan arregalou os olhos surpreso, mas num misto de surpresa e alívio ele percebeu que perfurara apenas uma estátua de terra, que Dard havia feito no ultimo instante para enganá-lo. Shalkan afastou um pouco as pernas para conseguir mais apoio, e olhou em volta. Nada. Dard provavelmente estava embaixo da terra, esperando o momento certo para atacar.

— Isso não pode estar acontecendo... – murmurou Shalkan, enquanto tentava sentir a vibração na terra que denunciaria Dard. Fora isso que ele dissera daquela vez também, quando se recuperara do choque de ver o amigo daquela maneira...


— Isso não pode estar acontecendo! – dissera ele.
— Se acalme, Richard. Eu lhe explicarei tudo.
— Tudo o que?! – respondera ele, usando o resto de suas forças para se arrastar para o mais longe possível de Fábio, se é que aquele era o Fábio.
Fábio lhe encarara, naquela ocasião. Ele ficara parado exatamente onde estava, encarando-o incisivamente por trás dos óculos sem haste, com lentes redondas e azuis. Ele esperou até que Richard resolvesse falar alguma coisa?
— Quem... O que... O que é você? – perguntou ele, com o corpo todo tremendo, de um modo que não tinha nada a ver com o frio.

— Eu ainda sou Fábio, seu parceiro de pesquisas, mas também tenho outra identidade, que manti durante muito tempo em segredo: eu sou um dos Doze Guardiões da Terra, Shalkan, o Guardião do Gelo.

Então ele sentiu a vibração. Um instante antes de Dard emergir como uma lança do solo exatamente abaixo Shalkan, este saltou para o lado, desviando-se por completo. Com um dos braços, Shalkan conduziu um filete de gelo que foi subindo em direção a Dard, de modo a tentar congela-lo. Porém, este fez em um giro com que diversas pedras destruíssem o filete. Em seguida, ele pousou. Shalkan virou-se, e ainda em posição de combate, começou a encará-lo. Dard também permaneceu parado, mas com os braços ao lado do corpo, como se não fosse mais lutar.

— Porque você está fazendo isso? – perguntou Shalkan, agressivamente.
— Faço isso porque você resiste. – respondeu o outro, em uma voz séria.
— Resisto a que? Minhas sinceras desculpas, mas se eu não resistir você vai acabar me matando! – replicou Shalkan, de maneira muito agressiva e sarcástica. Foi então que ele percebeu que estava ofegante. Todos aqueles soldados e a luta contra Stryder, uma hora antes, haviam deixado-o muito desgastado. Se ele continuasse assim, iria perder a razão, e consequentemente, a luta. Ele precisava... Mas não, em uma luta contra um guardião, era impossível fazer isso sem ser atacado.

— Vamos lá Shalkan. – disse Dard, como se lesse seus pensamentos. – Beba. Eu não vou te atacar.
Shalkan nem sequer se mexeu. Ele não iria acreditar nele.
— Eu prometo Shalkan. Eu vou manter minha palavra.

Shalkan continuou estático. Ele precisava beber, sabia disso, mas não ia facilitar as coisas para o adversário:

— Como posso confiar em você, se há segundos você tentou me matar?
— Eu juro Shalkan.

Shalkan arregalou os olhos, e hesitou. Então, lentamente ele levou a sua mão a um dos tubos de ensaio presos em seu cinto, removeu o lacre, e então o levou a boca e bebeu o mais rápido que pôde. Foi um alivio enorme. Ele podia sentir o líquido gelado descendo, revigorando seu corpo, aguçando seus sentidos, acalmando sua mente. Ele pôde sentir o efeito do líquido chegar a cada músculo de seu corpo. Agora ele estava preparado. Rápidamente, ele voltou os olhos para Dard e guardou o frasco no cinto. Ele não havia se movido.

— Não disse? – falou ele. – Eu ainda cumpro minha palavra, apesar de tudo.
— Você quebrou o juramento. – respondeu Shalkan, friamente.
— Você também. – replicou Dard. – Afinal, você está lutando contra mim.

Shalkan não respondeu. Ele sabia que havia quebrado o seu juramento. Mas não havia sido por vontade própria, ele havia sido forçado a lutar pela própria vida, isso era diferente... Não era?

— Não é o juramento que está em jogo aqui, Shalkan. – continuou Dard. – É algo muito maior que isso. Responda-me... Porque você se tornou um Guardião?


— Por quê? – perguntara Richard. – Porque você se tornou um Guardião?
Já haviam se passado duas horas desde a aparição de Fábio.
— Existem razões que a própria razão desconhece, Richard. – respondera Fábio. – Por mais que eu pense, e pense, eu só consigo pensar em uma resposta: amor.
— Amor? – perguntou Richard.
— Sim Richard, amor. Amor a este planeta, aos seres vivos que o habitam, amor a todo esse gelo ao nosso redor... Me foi oferecida um dia a oportunidade, e eu aceitei, e isso foi tudo e muito mais do que jamais sonhei. – falou Fábio, momentaneamente parecendo distante, enquanto observava as paredes de gelo ao seu redor.

Ambos ficaram em silencio por algum tempo, até que Fábio disse:
— Certa vez, me escolheram. O antigo guardião do gelo, junto dos outros guardiões, me escolheu como seu sucessor. A razão eu nunca soube realmente... Mas venha, venha comigo.

Fábio caminhou até Richard, pegou-o pelo braço, conduziu-o até o buraco que ficasse sob o buraco que levava para a galeria de cima, e em seguida direcionou a palma para o chão e um pilar de gelo foi lentamente se erguendo sob os pés de Fábio e de um trêmulo Richard, fazendo com que chegassem até a galeria superior. Eles repetiram o processo até chegarem à primeira galeria. Richard olhou sua moto, destroçada junto à teia de rachaduras da parede que ela tinha feito. Aquilo parecia fazer parte de um passado distante, parecia de repente que ele estivesse em outro lugar, completamente diferente. E foi então que lhe ocorreu:
— O cristal, foi você que colocou ele lá, não foi?

Fábio diminuiu o passo até parar de andar. Em seguida ele levou as mãos aos óculos, retirou-os, e deixou-os na palma de sua mão, erguida em frente ao corpo. Os óculos então começaram a brilhar de modo muito intenso, em uma luz branca que cegava. Fábio fechou a mão, e após o brilho desaparecer, ele a abriu novamente.

Os óculos haviam sumido. No lugar deles, estava um cristal. Um cristal não transparente, mas de um azul profundo, mais profundo que o oceano, mais belo que o céu noturno. O cristal parecia perfeitamente lapidado, e tinha a forma de uma ampulheta pequena, do mesmo tamanho dos óculos. Estava preso a um cordão. Fábio então disse, parecendo, pela primeira vez desde o encontro entre os dois, triste:

— Me perdoe Richard. Perdoe-me por ter feito você esperar por tanto tempo em vão, me perdoe por ter feito você se preocupar, me perdoe por ter feito você sofrer. Eu queria evitar isso, mas não teve outro jeito.
Richard ainda olhava para o cristal, parecendo estar hipnotizado. Aos poucos ele levantou os olhos ao amigo, e perguntou:
— O que é tudo isso?

Foi então que ele percebeu que seus ferimentos estavam curados. Ele não sabia como, mas não estava sentindo frio, e nem mesmo dor. Ele começou a olhar para as paredes da galeria... Eram tão profundas, tão infinitas, tão belas...

Fábio então colocou o cordão com o cristal no pescoço, e conduziu Richard até ambos estarem abaixo do buraco da entrada:

— Eu vou lhe mostrar. – disse ele. Então, ele se colocou atrás de Richard e o abraçou. Lentamente Richard notou que começava a ficar mais leve, mais leve... Até que o vento começou a carregá-los. Eles então foram, sendo conduzidos cada vez mais alto, em meio a neve e ao vento, flutuando, voando. Richard estava maravilhado: ele não sentia frio, dor, fome, ele não sentia nem mesmo seu próprio peso, não sentia nada nem ninguém, a não ser o vento que o carregava, e carregava... Então, parou. Richard se viu acima de tudo, acima da neve, da tempestade, acima das nuvens. O sol ofuscou seus olhos por um instante, e então ele observou, maravilhado, a vista ao seu redor. Atrás dele, Fábio disse:

— Isso – começou ele – é tudo isso. Agora, Richard, me diga: você gostaria de se tornar um guardião?

Ele então pensou na caverna de gelo, na beleza do cristal, na sensação de ser livre, nos animais que tinha estudado, na neve que admirara na infância... E então respondeu.


— Por quê? Shalkan, me responda. Porque você se tornou um Guardião?
— Eu me tornei um Guardião... – disse Shalkan, convicto. – Para poder defender tudo aquilo que sempre amei e admirei. Eu me tornei um guardião para poder proteger os animais, para poder proteger esse planeta e as belezas que ele ainda preserva. Mas eu me tornei um Guardião, sobretudo, para poder proteger aquilo a que mais dou valor: a vida.
— Mas você não acha irônico? – começou Dard – Um protetor da vida que protege justo a espécie que mais mata no mundo?
— O que você veio fazer aqui? – respondeu Shalkan. – Se você veio me questionar, é melhor que vá. Eu sei o que faço, e porque o faço, e seus questionamentos não vão fazer com que eu me torne menos convicto quanto aos meus valores, desista! Se você quer trair os Guardiões então saia daqui, deixe de uma vez por todas esse jardim, esse santuário, você não é bem vindo!
— Ora, sinto muito. – falou Dard. – Mas não posso fazer isso.

E antes que qualquer um dos dois respirasse, ambos já haviam sumido.