Capítulo 9 – Justiceiro
Sete da manhã. Ainda está cedo, só entro no trabalho as onze hoje. Volto a dormir...
...
Nove horas, antes adiantado, agora atrasado. Porcaria...
Minha mulher, Ivone, já não está mais em casa, talvez tenha ido visitar nossa filha mais cedo hoje. Também queria ir vê-la, mas o dever me chama.
Pego meu uniforme, e o visto o mais rápido possível, muito atrasado estou. Olho-me no espelho, ah, como você ta ficando velho, esse trabalho está lhe matando, dia após dia... Estando pronto, todo arrumado, vou para o meu serviço, a pé, não tenho carro, nem dinheiro para tal, no que eu trabalho o salário não é lá essas coisas, mesmo sendo um serviço muitas vezes perigoso, até para a minha família...
Trinta minutos mais tarde, chego ao meu destino: 35º Distrito da Polícia Militar de São Paulo, lugar onde trabalho à quase vinte e cinco anos, minha segunda casa, praticamente...
- Bom dia, capitão – Cumprimenta Bruno, meu parceiro de trabalho, um jovem rapaz no qual admiro muito seu esforço para se tornar alguém nesse lugar sujo, imundo...
- Bom dia, Bruno.
- O senhor tem um recado, da sua mulher. Quer que ligue urgente para ela.
- Ah, obrigado, depois ligo – Fico preocupado, tenso... Será que tem a ver com nossa filha?
- PORRA MEO, eu não fiz nada, nem sabia que era de menor! - Meus pensamentos se esvaem de minha mente com o grito de um delinqüente que acabara de chegar, algemado em companhia de um policial.
- O que foi que ele fez? – Pergunto.
- Estava em um motel junto com uma jovem de dezesseis anos, e ainda por cima com cinqüenta gramas de cocaína.
- Pode deixar que eu falo com ele – Interrompe outro policial. Seu nome, Guilherme. Violento, ele batia, para depois bater mais ainda, para depois começar a perguntar o que aconteceu. Corrupto, tinha tratos com os bandidos mais influenciáveis da cidade, na qual dava proteção a eles e informações sobre operações e investigações policiais. Era assim que ele conseguia seu segundo “salário”. Muitos do departamento sabiam de suas ações, mas provas, não tinham, não existiam...
- Okay Guilherme. Mas cuidado para não deixa-lo “fugir”, hein?
- Engraçadinho – Responde, com certo desgosto.
- DROGA, mas ela falou que tinha vinte anos!
Continua berrando o infeliz. Jovem, vinte e cinco anos, mas com quatro passagens pela polícia, por roubo e assalto à mão armada. Será solto em instantes, faz parte de uma gangue na qual o líder é “amigo” de Guilherme. Ficará livre como se nada tivesse feito...
Mas, apesar disso, é um dia comum no departamento. Um lugar feio, barulhento, mal-cuidado. De um lado vejo uma mulher fazendo um B.O. de seu marido que a espancara mais uma vez. Não irá adiantar nada, e semana que vem estará aqui novamente. No fundo, passando por algumas portas trancadas com grossos cadeados, tem os presos, que ficam aqui até um camburão vim pega-los e leva-los ao presídio mais próximo, e cheio. Vejo também um policial dormindo em sua cadeira de seu escritório, outro lendo um jornal, outro juntando as pistas de um homicídio que ocorreu na noite anterior. Que milagre, alguém trabalhando...
Reparo em um novato, perdido em seus afazeres, cumprindo à risca as regras que aprendeu no treinamento, e que todo mundo esquece ou ignora tempos depois. Ainda é inocente, com a ilusão de que ser policial é que nem nos filmes americanos, aquelas merdas...
Um dia ele verá e sentirá a verdade, e será tão trabalhador quanto o dorminhoco do meu lado...
Devo ser um dos únicos que ainda sabe de cor as regras, os artigos, as penas, os códigos, tudo. Devo ser também um dos mais velhos que ainda trabalha nas ruas. Quarenta e cinco anos, mas mais rápido e efetivo que muitos de trinta. Prendi mais de mil e quinhentos bandidos em toda a minha carreira, mas pelo menos metade estão por aí, soltos, livres, protegidos...
Atualmente, estou em um caso de assaltantes de banco, e isso já faz dois anos. Começaram com pequenos bancos do interior, mas nos últimos anos assaltaram quatro grandes bancos do estado. Quase os peguei uma vez, mas fugiram, por pouco... São liderados por um tal de Marcos, já fora preso uma vez, por assassinato. Ele eu conheço bem, já os outros integrantes do grupo, nem tanto... Mas um...
- Capitão, sua mulher, esqueceu? – Indaga Bruno, me fazendo deixa de lado o que estava pensando.
- Opa, vou ligar logo, deve ser importante... – Procuro meu celular, uma
“coisa” na qual ainda não me acostumei...
- Alô, Ivone? O que houve?
- Por que demorou para ligar?
- É que...
- Deixa pra lá ! Venha logo no hospital, é urgente!
- Mas, o que houve?
- Nossa filha, Cláudio, está morrendo, está morrendo! Vem logo! – E desliga subitamente o celular, mas pude ouvir ela começar a chorar...
Não penso em nada, só corro instintivamente para fora do departamento, afim de pegar um ônibus e chegar logo ao hospital.
- Capitão, o...
Não ouço ninguém, só corro. Pego um ônibus, dez minutos até chegar ao hospital. Trânsito. Tudo parado. Saio e vou a pé mesmo. Demoro, chego exausto, mas não ligo, tenho que ver minha filha!
Chego no balcão, pergunto pra atendente:
- Por favor, onde está internada Sophia, Sophia de Oliveira?
- O senhor é algum parente?
- Pai – Cansado, mal consigo falar...
- Quarto
12B, terceiro andar, no fim do corredor, Mas tem que as..
Não presto mais atenção. Saio correndo novamente,em direção ao elevador. Espero, espero, e espero. Ahhhh que droga, Demora demais, vou pelas escadas mesmo, três andares apenas...
Enquanto vou subindo degrau por degrau sem descanso, me pergunto no que pode ter acontecido de tão grave com Sophia. Será que o estado dela piorou? Meu Deus, dez anos, tão jovem, tão nova, uma criança... Não sei o que faria sem ela...
Ando depressa pelo corre... Ai... Meu coração... Meu peito, dói demais... Será que vou ter um enfarte, de novo? Se sim, pelo menos já estarei no lugar certo e serei atendido logo...
Ah, to quase lá, 4B, 5B, 6B, banheiro... Mas o que...Vejo alguém familiar saindo do banheiro, lembro do rosto, cabelos longos, mas quem... Não, que se dane, não deve ser nada. Continuo a procurar o quarto. Nove B, 10B, 11... Doze B, aqui!
Abro a porta bruscamente...
- Sophia!
- Não grita! Ela está dormindo! – Replica minha querida Ivone. Olhos vermelhos e marejados, deve ter chorado até não agüentar mais...
Realmente ela dormia. Dormia como um anjo, escondendo seus belos olhos verdes herdados da mãe. Vestia apenas uma roupa, um vestido, do hospital, de um branco puro, dando um ar angelical maior ainda a ela. Não tinha mais seus cabelinhos cacheados, estava calva, devido à doença...
- Senhor... Cláudio, certo? – Entra no quarto um médico. Nunca havia falado com ele, mas o já tinha visto, cuidando de minha princesinha.
- Sim, sou eu...
- Dr. Gustavo, prazer. Esperei o senhor chegar para falar para ambos sobre o caso de sua filha.
- Bem, cá estou, diga.
- Como sabem, a filha de vocês tem tumor no cérebro e...
- Sim, sabemos faz uns dois meses, doutor...
- Deixe-me terminar, por favor. Mas já faz quatro meses que ela está com essa doença. Se tivesse sido descoberta antes Sophia já poderia estar melhor de saúde. E ela não tem um só tumor, têm três, que tem que ser tirados o mais rápido possível, com cirurgia.
- Sim, sim, o plano de saúde vai cobrir os gastos, certo?
- Infelizmente, esse tipo de cirurgia, não. Vão ter que pagar por ela separadamente.
Não...
- Como? E quanto é?
Bem, contando a cirurgia de quimioterapia, radioterapia, entre outras, mais a parte dos médicos, mais o transporte e estadia dela em outro hospital, no Rio de Janeiro, por que aqui não poderemos fazer, entre outros gastos, ficará em torno de cem mil reais.
- Meu Deus...
- Mas, não temos tudo isso! Minha mulher está desempregada e eu recebo só dois mil por mês! – Falo, grito, irritado, perplexo, pasmo...
- Sinto muito, mas tem que pagar pelo menos quarenta mil antes da cirurgia, e, tem que ser feita rapidamente.
- Por que, para quando?
- Duas semanas, isso dá até dia 29 de janeiro. Se demorarmos muito, ela pode...
Ele pára de falar, titubeia por alguns instantes...
- Pode o que doutor? Não enrole!
- Morrer senhor Cláudio, morrer. Ela não aguentará mais do que três semanas, e então terá morte cerebral.
Ivone não se contém, e começa a chorar, sem parar. Tento consola-la, mas em vão...
- Bem, quando acordar tentem não fazer ela se esforçar muito, deixe-a em paz. Se me dão licença, tenho que sair mais cedo hoje. Qualquer coisa chamem Ângela, minha assistente...
- Tudo bem doutor...
Ele vai embora, e eu e minha mulher ficamos lá, olhando para a nossa adorável filha. Queria ficar mais tempo, mas recebo um chamado pelo celular, estão me procurando no departamento... Mas antes, fico mais alguns segundos observando minha doce Sophia dormir como se estivesse em plena saúde. Observando um pequeno ser que pode deixar de viver por causa de dinheiro, ou a falta dele. Malditos gananciosos, maldito plano de saúde... Mas, não importa como, farei de tudo para conseguir o dinheiro!
Malz pela demora, mas PC fd...Desse capítulo nada tenho à reclamar, só acho que o dexei muito rápido =x
Dard*