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Divirtam-se.
Capítulo 10 – Marcas de uma batalha.
Argos ouvira os gritos e, como os quatro homens na igreja, tinha ido até a porta para ver o que significavam, mas assim que chegaram ao alpendre um bando de homens armados, as armaduras de prata e elmos cinza-escuros no alvorecer, surgiram no cemitério.
Edward bateu a porta da igreja, baixou a tramela e benzeu-se.
- Uman! – disse ele, perplexo, encolhendo-se quando um machado bateu na porta. – Me dê isso! – ele tirou a espada de Argos.
Argos deixou que ele a pegasse. A porta da igreja tremia, agora, enquanto dois ou três machados atacavam a madeira velha. Os moradores sempre imaginaram que Filars Porl era pequena demais para ser atacada, mas a porta da igreja estava ficando em pedaços diante dos olhos de Argos e ele sabia que devia ser os carlinianos. Ao longo de toda a costa contavam-se histórias de desembarques como aquele, e orações eram feitas para poupar o pessoal das incursões, mas o inimigo ali estava e a igreja ecoava o barulho de seus golpes de machado.
Argos estava em pânico, mas não percebeu. Só sabia que tinha de fugir da igreja, e por isso correu e saltou para o altar. Esmagou o cálice de prata com o pé direito e chutou-o para longe do altar enquanto subia para o parapeito da grande janela do leste, onde era possível ver toda a costa até o mar. Quebrou o velho vidro com um pedestal de ferro e ele se despedaçou, o rapaz se escondeu para não ser visto. Viu homens de casacos vermelhos e verdes passando correndo pela taberna, mas nenhum deles olhou em sua direção quando ele saltou para o pátio e correu para a vala, onde rasgou a roupa enquanto rastejava para atravessar a cerca de espinhos do outro lado. Cruzou o caminho, pulou a cerca para o jardim da casa de sua mãe e bateu na porta da cozinha, mas ninguém respondeu e um dardo de besta bateu na verga da porta a centímetros do seu rosto. Argos se agachou e correu pelos pés de feijão até o estábulo, onde o padre Rod guardava um cavalo. Não havia tempo para salvar o animal, e por isso Argos subiu para o depósito de feno, onde escondia seu arco e suas flechas. Uma mulher gritou perto dali, ele rezou a Crunor para que ele protegesse sua mãe. Cães uivavam. Os carlinianos gritavam enquanto derrubavam portas com os pés. Argos pegou seu arco e o saco de flechas, arrancou o sapé das vigas, espremeu-se para passar pelo buraco e caiu no pomar do vizinho.
Correu, então, como se Zathroth estive em seus calcanhares. Uma seta de besta bateu na relva quando ele chegou ao morro e dois dos besteiros foldanianos começaram a persegui-lo, mas Argos era jovem, alto, forte e ligeiro. Subiu o morro correndo, cortando um pasto que brilhava com prímulas silvestres e margaridas, saltou um obstáculo que bloqueava uma abertura numa cerca viva e virou para a direita, em direção à crista do morro. Foi até o bosque no lado distante do morro, e ali deixou-se cair no chão para recuperar o fôlego em meio a um declive que oscilava com o vento que agitava uma nuvem de jacintos. Não era mais possível ver Thais. Ficou ali deitado, ouvindo as ovelhas no campo perto dali. Esperou, sem ouvir nada de desfavorável. Os besteiros haviam desistido da perseguição.
Argos ficou deitado nos jacintos por muito tempo, mas por fim rastejou cautelosamente de volta ao topo do morro, de onde podia ver um grupo de mulheres idosas e crianças espalhando-se no morro mais adiante. Aquela gente dera um jeito de escapar dos besteiros e sem dúvida iria fugir para o sul, para Thais, alertar Rei Tibianus, mas Argos não se uniu a eles. Em vez disso, foi descendo para um matagal de aveleiras onde margaridas floresciam e de onde ele podia ver sua vila morrendo.
Homens carregavam espólios para os cinco navios estranhos atracados no cascalho de Filars Porl. O primeiro telhado de sapé estava sendo incendiado. Dois cães jaziam mortos na rua ao lado de uma mulher, completamente nua, que estava sendo mantida deitada enquanto soldados erguiam suas camisas de malha para servirem-se dela. Argos lembrou-se de que há muito tempo ela se casara com um pescador cuja primeira mulher tinha morrido de parto. Ela era muito recatada e feliz, mas agora, quando tentou rastejar para fora da estrada, um soldado deu-lhe um pontapé na cabeça e curvou-se de tanto rir. Argos viu Anny, a garota que ele temia ter engravidado, sendo arrastada em direção aos navios e se envergonhou da sensação de alívio por não ter de enfrentar sua mãe e o padre Rod com a novidade sobre ela. Mais choupanas estavam sendo incendiadas enquanto carlinianos atiravam palha em chamas para os telhados, e Argos viu a fumaça espiralar e engrossar, abrindo caminho por entre os brotos de aveleira até um local em que as flores dos espinheiros eram espessas, brancas e boas para servir de esconderijo. Foi ali que ele retesou a corda do arco.
Era o melhor arco que ele já fizera. Fora feita de uma madeira entregue pelo padre Rod que dizia ser sagrada, e Argos às vezes acreditava nisso. Ele a esculpira, aquecera as pontas com vapor para lhes conferir uma ligeira curvatura contra o grão da madeira, e depois pintara o arco com uma mistura de fuligem e óleo de linhaça. Fervera a mistura na cozinha da casa de sua mãe nos dias que ela havia viajado para Thais, junto com o padre Rod. Ambos nunca descobriram o que ele tinha feito, embora às vezes reclamassem do cheiro que havia ficado na cozinha. O arco tinha sido pintado para impedir que ficasse inteiramente seco, o que deixaria a madeira quebradiça e a partiria sob a pressão da corda esticada. A tinta secara e ficara com uma cor de ouro escuro, tal como os arcos que Elane fazia na guilda dos paladinos em Thais, mas Argos queria que ficasse mais escura, por isso esfregara mais fuligem para penetrar na madeira e besuntara-a com cera de abelha, por quinze dias, até que o arco ficou tão preto quanto um tiro de Morte Súbita. Ele havia colocado nas duas pontas do arco dois pedaços de chifre entalhado para segurar uma corda de fios de cânhamo entrelaçados que tinham sido encharcados com cola de casco de animal, depois enrolou ainda mais cânhamo no ponto em que a flecha iria se apoiar. Tinha roubado moedas em Turcthan para comprar pontas de flechas em Thais, depois fizera as hastes com a melhor madeira das florestas próxima da vila e penas brancas, e naquela manhã do Nacite estava com 23 daquelas boas flechas no saco. E só as flechas poderiam revidar. A vila já tivera maior poder e já fora mais respeitada na época de Gadembler Elendar, um mago de alto escalão, porém quando Argos voltara de Rookgaard não encontrara seu amigo. Magos é uma classe rara de ser encontrada pelo continente, tanto que na vila só havia um velho aspirante a clérigo, que não era capaz de usar uma magia se quer.
Argos colocou a corda no arco, tirou uma flecha emplumada de branco e olhou para os três homens ao lado da igreja. Eles estavam bem longe, mas o arco preto era uma arma tão grande quanto qualquer outra já feita até então, e o poder em seu arco de teixo era impressionante. Argos se perguntava por que os grandes paladinos usavam bestas, e não arcos. Um dos homens vestia uma cota de malha simples, outro um sobretudo preto liso, enquanto o terceiro tinha uma jaqueta vermelha e verde por cima de uma armadura negra e resistente, Argos concluiu que o homem vestido de maneira mais espalhafatosa devia ser o líder da incursão, e por isso devia morrer.
A mão esquerda de Argos tremeu ao armar o arco. Estava com a boca seca, amedrontado. Sabia que iria atirar a esmo, de modo que abaixou o braço e soltou a tensão da corda. Lembre-se, disse a si mesmo, lembre-se de tudo que já lhe foi ensinado. Um paladino não mira, ele mata. Está tudo na cabeça, nos braços, nos olhos, e matar um homem não é diferente de matar um veado. Puxar e soltar, era só isso, e era por isso que tinha treinado por mais de seis anos, para que o ato de puxar e soltar se tornasse tão natural quanto respirar e tão fluente quanto a água que corria de uma nascente. Olhe e solte, não pense. Puxe a corda e deixe que Elane, a primeira, guie a flecha.
A fumaça se tornava mais espessa sobre Filars Porl. Argos sentiu uma imensa raiva aumentar rapidamente e esticou a mão esquerda para frente, puxando o arco para trás com a direita, e em momento algum tirou os olhos da jaqueta vermelha e verde. Seu sangue borbulhava com há muito tempo não fazia, desde suas épocas na ilha. Puxou até a corda ficar ao lado do ouvido direito e então soltou.
Aquela foi a primeira vez em que Argos Fall disparou uma flecha em direção a um homem e ele soube que ela atingira o alvo assim que saltou da corda, porque o arco não tremeu. A flecha voou com precisão e ele a viu fazer acurva para baixo, afundar do morro e atingir a jaqueta verde e vermelha com violência e penetrando bem. Argos disparou uma segunda flecha, mas o homem de cota de malha curvou-se e disparou para o alpendre da igreja enquanto o terceiro homem corria para a praia, onde ficou oculto pela fumaça.
Argos tinha agora 21 flechas e sua vida estava ameaçada, porque doze besteiros corriam em direção ao morro. Ele disparou uma terceira flecha e voltou correndo em meio às aveleiras. Sentiu-se repentinamente exultante, cheio de sensação de poder e satisfação. Naquele instante em que a primeira flecha deslizara no céu, ele soubera que não queria mais do que aquilo da vida. Era um paladino, um arqueiro. Por ele, Turcthan podia ir para o inferno, porque Argos descobrira o que lhe dava prazer. Gritou de satisfação ao subir o morro correndo. Setas disparadas por bestas rasgavam as folhas de aveleiras e ele percebeu que elas faziam um ruído surdo, quase um sussurro, enquanto voavam. E então passou pela crista do morro, onde correu para o oeste durante alguns metros antes de voltar para o topo. Fez uma pausa suficiente para disparar mais uma flecha, depois voltou a correr.
Argos guiou os besteiros foldanianos numa dança da morte – do morro na direção das montanhas dos ciclopes, por trilhas que ele conhecia desde criança – e eles, tolamente, o seguiam, porque o orgulho não os deixava admitir a derrota. Mas estavam derrotados, e dois morreram antes que um trompete soasse da praia, chamando os atacantes de volta para os navios. Os foldanianos deram meia-volta, parando apenas para apanhar a arma, as sacolas, a malha e o casaco de um de seus mortos, mas Argos matou mais um deles enquanto eles se curvavam sobre o corpo, e dessa vez os sobreviventes simplesmente fugiram.
- Exevo Con. – murmurou, e flechas se materializaram em sua mão. Não era como as talhadas em madeira, essas brilhavam intensamente. Era magia.
Argos desceu atrás deles para a vila aldeia coberta por um manto de fumaça enquanto atirava flechas mágicas a esmo. Passou correndo pela cervejaria, que estava um inferno, e dali para o cascalho, onde os cinco navios estavam sendo empurrados para o mar. As flechas mágicas restantes sumiram das mãos de Argos. Os marinheiros soltaram-se com longos remos, e se dirigiam para o mar. Rebocaram os três melhores barcos de Filars Porl e deixaram os outros queimando. A vila também ardia, o sapé espiralando pelo ar em centelhas, fumaça e fragmentos em chamas. Argos disparou uma última flecha inútil da praia e a viu mergulhar no mar sem atingir os assaltantes em fuga. Girou sobre os calcanhares e voltou para a aldeia fedorenta, queimando, ensangüentada, em direção à igreja, o único prédio que os atacantes não tinham incendiado. Os quatro companheiros de sua vigília estavam mortos, mas o padre Rod ainda vivia. Estava sentado, as costas apoiadas no altar. A parte inferior da batina estava escura de sangue fresco, e o rosto comprido era de uma brancura fora do comum. Argos sabia que os carlinianos haviam tirado tudo que ele amava nesse ataque surpresa, e apenas o velho padre Rod poderia afirmar isso.
Argos ajoelhou-se ao lado dele.
- Padre?
O padre Rod abriu os olhos e viu o arco. Fez uma careta, se de dor ou desaprovação, Argos não sabia.
- Você matou alguns deles? – perguntou o padre.
- Matei um bocado. – disse Argos.
O padre Rod fez uma careta e tremeu. Argos concluiu que o padre era um dos homens mais fortes que ele já conhecera, imperfeito, talvez, mas resistente como uma aduela de teixo, e agora estava morrendo e havia um tom estranho em sua voz.
- Argos, você não quer ser clérigo, quer?
- Não.
- Você vai ser soldado – disse o padre -, tal como seu pai.
Fez uma pausa e gemeu quando um novo golpe de dor veio de seu ventre. Argos queria ajudá-lo, mas na verdade nada havia a fazer. Hurguifh enfiara a espada no ventre do padre Rod e mais nada poderia fazer agora.
- Eu discutia com meu pai – disse o moribundo – e ele me renegou. Deserdou-me e abençoou meu irmão, seu pai, e desde então eu tenho me recusado a reconhecê-lo. Mas você, Argos, você se parece com meu pai e com meu irmão. Muito. E você sempre discutiu comigo.
- Sim, padre. – disse Argos. Ele tomou a mão de seu tio e o padre não resistiu.
- Eu amava a sua mãe. – disse o padre Rod – E esse foi o meu pecado, desejava a mulher de meu irmão mesmo sendo um padre. O pecado... Ele nos inunda, Argos, nos inunda. Está em toda parte. Eu vi o demônio, Argos, vi com meus próprios olhos, e nós temos de lutar contra ele. – as lágrimas desceram pelas encovadas faces com a barba por fazer – Eles roubaram o sangue – disse ele, triste.
Argos olhou do rosto de seu tio para o pedestal, que agora estava no chão. Nenhum sinal do frasco.
- Meu bisavô trouxe de Darama, quando Ankrahmun ainda era desconhecida. – disse o padre Rod – E eu a roubei de meu pai e o filho do meu irmão a roubou de nós, hoje. – ele falava baixinho – Ele vai fazer o mal com ele. Traga-a para casa, Argos. Traga-a para casa. O filho do seu tio... O filho do meu terceiro irmão.
- Vou trazer – prometeu-lhe Argos. A fumaça começou a ficar espessa na igreja. Os atacantes não haviam posto fogo nela, mas o sapé era atingido pelas chamas que vinham dos fragmentos em chamas que enchiam o ar – O senhor disse que o filho de seu irmão a roubou? – perguntou Argos.
- Seu primo. – sussurrou o padre Rod, os olhos fechados – O que estava vestido de preto. Ele veio e a roubou.
- Quem é ele? – perguntou Argos.
- O mal – disse o padre Rod – O mal. – gemeu e abanou a cabeça.
- Quem é ele? – insistiu Argos.
- Exura Gran... – disse o padre Rod numa voz um pouco acima de um sussurro – Não fui capaz de realizar esta magia, não sou um clérigo. – a mente dele fraquejava aos poucos – Não mereço nem ao menos o título de padre. Eu devia ter estudado, ter ido a Rookgaard como você fez, sobrinho. – os olhos do padre Rod estavam fechados, enquanto sua alma pairava perto de seu corpo moribundo.
- Tio? – perguntou Argos. A fumaça aumentou na igreja e saiu pela janela que Argos havia quebrado para fugir. – Tio?
Mas seu tio nunca mais voltou a falar. Morreu, e Argos, que tinha lutado contra o fato de ele amar sua mãe sendo seu próprio tio e um padre a vida toda, chorou como uma criança. Algumas vezes sentiu vergonha do tio, mas naquela enfumaçada manhã do Nacite teve consciência de que o amava. Seu coração queria explodir quando lembrou de sua mãe e seu provável destino, decidiu não procurá-la.
Argos puxou o tio para longe do altar. Ele não queria que o corpo fosse queimado quando o teto desabasse. O cálice de prata que Argos esmagara por acidente estava debaixo do manto ensopado de sangue do morto e Argos colocou-o no bolso antes de arrastar o cadáver para fora, para o cemitério. Colocou seu tio ao lado do corpo do homem de casaco vermelho e verde e agachou-se ali, chorando, sabendo que havia falhado em sua primeira vigília. O demônio roubara os sacramentos, o sangue de Crunor desaparecera e Filars Porl estava morta.
Ao meio-dia, Sir Giles Marriot, um general do exército thaisense chegou à aldeia com uns vinte homens armados de besta e podeiras. Sir Giles vestia uma armadura vermelha com detalhes amarelos e uma espada que flamejava, chamas mágicas, mas não havia mais inimigo a ser combatido e Argos era a única pessoa que restava na vila.
- Três falcões amarelos sobre um campo azul. – disse Argos a Sir Giles.
- Argos? – perguntou Sir Giles, intrigado. Ele era um homem de batalhas, velho, embora em sua juventude tivesse portado uma lança contra as mais terríveis criaturas do continente. Tinha sido um bom amigo do pai de Argos e do padre Rod, mas não entendia o rapaz.
- Três falcões amarelos num campo azul – disse Argos em um tom vingativo –, é o brasão do homem que fez isso.
Seria o brasão de seu primo? Ele não sabia. Seu pai deixara muitas perguntas sem resposta.
- Não sei de quem é esse brasão – disse Sir Giles –, mas vou rezar pela entranhas de Crunor para que ele berre no inferno por esse ato.
Nada havia a fazer enquanto os incêndios não se apagassem naturalmente, e só então os corpos poderiam ser retirados das cinzas. Os mortos queimados estavam escurecidos e grotescamente encolhidos pelo calor, de modo que até mesmo os mais altos dos homens pareciam crianças. Os moradores mortos foram levados para o cemitério para terem um enterro adequado, mas os corpos dos quatro besteiros foram arrastados até a praia e, lá, tiveram as roupas arrancadas, ficando nus.
- Você fez isso? – perguntou Sir Giles a Argos.
- Fiz sim, senhor.
- Então eu lhe agradeço.
- Meus primeiros carlinianos mortos – disse Argos, com raiva.
- Não. – disse Sir Giles, e ergueu uma das túnicas do homem para mostrar a Argos a insígnia de uma espada bordada na manga – Eles são de Folda – disse Sir Giles – Os carlinianos os contratam como besteiros. Eu matei alguns, na minha época, mas lá, de onde eles vêm, há sempre mais, principalmente agora que eles conseguiram levantar uma cidade de verdade naquela ilha fria. Você sabe que insígnia é essa?
- Uma espada?
Sir Giles abanou a cabeça.
- A primeira Espada Mágica. Eles acham que a têm na catedral deles. Me disseram que é uma espada muito bela, feita do material mais resistente de todo o Tibia. Alguns dizem que foi feito pelos próprios deuses. Me disseram que a trouxeram de Edron. Eu gostaria de vê-la um dia.
- Neste caso, eu o trarei para o senhor – disse Argos, com amargor –, assim como vou trazer de volta o sangue de nosso Deus.
Sir Giles olhou para o mar. Os navios dos atacantes tinham desaparecido havia muito, e nele só viu o sol e as ondas.
- Por que eles viriam aqui? – perguntou ele.
- Para pegar o sangue.
- Duvido que fosse verdadeiro. – disse Sir Giles. Seu rosto agora estava vermelho, os cabelos brancos e o semblante pesado. – Aquilo era apenas sangue, nada mais.
- É verdadeiro – insistiu Argos –, e foi por isso que eles vieram.
Sir Giles não discutiu.
- Seu tio – disse ele, em vez disso – teria querido que você terminasse os estudos.
- Meus estudos terminaram. – disse ele, com clareza – Estou indo para Carlin.
Sir Giles fez um gesto afirmativo com a cabeça. Reconhecia que o rapaz estava mais apto a ser um soldado do que padre. Ele iria ser um bom homem, guerreando por Thais nos terrenos do adversário.
- Você vai como arqueiro? – perguntou ele, olhando para o grande arco no ombro de Argos –, ou quer entrar para minha casa e ter o treinamento de um soldado? – deu um meio sorriso.
- Vou como um paladino. Um paladino de verdade, não um besteiro como esses de Folda. Irei carregar meu arco e utilizar de minha magia e meu conhecimento para derrubar Carlin. – disse Argos com veemência.
- Há mais honra como soldado. – observou Sir Giles, mas Argos não queria honras. Queria vingança.
Sir Giles deixou que ele escolhesse o que queria dos inimigos mortos e Argos apanhou uma cota de malha, uma armadura de prata, um par de botas de cano longo, uma faca, uma espada, um cinto e um capacete usado pelos soldados. Eram objetos simples, mas úteis, e só a cota de malha precisava de remendo, porque ele enfiara uma flecha que penetrara nos elos. Sir Giles disse que devia dinheiro ao tio de Argos, o que podia ou não ser verdade, e pagou-o a Argos com o presente de um cavalo castrado, de quatro anos. Um presente de altíssimo escalão, tendo em vista que cavalos são raros por essas terras.
- Você vai precisar de um cavalo – disse ele – porque hoje em dia todos os paladinos de elite são montados, até adquirirem um nível mágico suficiente para não precisar mais dele. Vá para Thais e é bem provável que encontre alguém recrutando arqueiros. Treine magia enquanto estiver por lá meu rapaz.
Os cadáveres foldanianos foram decapitados e os corpos deixados para apodrecer, enquanto as cabeças foram empaladas em estacas e fincadas ao longo da margem mais alta do cascalho de Filars Porl. Os pássaros devoraram os olhos e bicaram a pele, descarnando as cabeças e revelando os ossos que fitavam apaticamente o mar.
Mas Argos não viu os crânios. Havia atravessado um riacho por trás da vila, apanhado seu arco preto e se juntado às guerras.
Sem mais;
Asha Thrazi! ;)