Capítulo 1
Inicio, Meio e Fim
Parte 1
A típica chuva invernal de final de ano chicoteava nas janelas da delegacia thaiense. Apesar do tempo instável, a animação do General Harkath Bloodblade estava afundando a cada segundo. Estava sentado em uma simples cadeira de madeira, das bem vagabundas, atrás de um balcão de pedra marcada por espadas e picaretas.
Ao seu redor, espalhavam-se baús de madeira limpa e mesas de madeira rala e suja, muitas vezes nem sequer reparados pelo entra-e-sai do prédio. O solo de pedra de calçamento já estava desgastado, e apesar das reclamações ao Rei, Tibianus nada fizera para melhorar as condições da armada.
O prédio da delegacia era uma enorme construção de dois andares, localizado ao norte da cidade, bem próximo ao portão que levava até a bela Greenshore. O prédio era feito da mesma madeira usada em quase todas as construções da cidade. Tinha o típico telhado de tijolos pontudos, para evitar o acúmulo de neve no inverno.
No primeiro andar ficava a sede da Armada Real de Thais, comandada por Bloodblade. Sua “sala” cituava-se após uma divisória improvisada em frente à sua mesa, que separava o local do hall de entrada.
No segundo andar, acessado por uma escada de mármore no hall, ficava a delegacia e o centro de reuniões dos guardas de Thais. Raramente Bloodblade subia lá, mas tinha certa noção do espaço. Um hall, separado do centro de reuniões, sempre fechado, por uma divisória vagabunda semelhante à sua.
Durante muitos anos, o lendário Bistur Khas trabalhara com Bloodblade, mas acabou se isolando em Carlin pouco antes de morrer. Khas fora um grande líder da Legião vermelha, que comandara Carlin antes da Guerra das Amazonas. Khas fora um bom líder e um bom amigo.
Diferente de seu neto, o ríspido Chester Khas, um homem capaz de tudo para conseguir realizar seus objetivos. O neto de Bistur era o oficial de confiança de Tibianus, e adorava exibir isso na Armada. Tinha poder sobre a Legião e era respeitado em qualquer lugar do mundo. E para coroar, era líder da CTI, ou Comando Thaiense de Investigação.
Naquele dia, Khas se ausentara para viajar até Venore, por motivos pessoais. Bloodblade, que ficara totalmente feliz com a idéia de tirar o dia de folga, quebrou a cara ao receber a visita de um cidadão que dizia ter presenciado um assassinato.
O homem falava sentando em frente ao balcão da Armada, e Bloodblade nem ouvia ele falar. Estava quase dormindo de tédio. Aquela nevasca lá fora e Khas se divertindo na aquecida taverna de Venore.
- Você ouviu alguma coisa que eu disse? – Falou o homem, com a voz cansada e com um olhar assassino.
- O que? – Falou Bloodblade acordando de seu estágio de “quase soneca”.
- Eu vi um assassinato aqui em Thais! – Repetiu o homem ficando em pé.
Bloodblade olhou bem para ele. Um homem aparentemente pobre, sujo, esfarrapado. Usava calças marrons surradas e rasgadas em diversas partes, uma camisa que uma vez fora branca e cheirava a esterco, e um colete de pêlos de ovelha desfiado e sujo de terra. Tinha longos cabelos negros caindo na cara e usava sandálias ralas. Não parecia ser nada confiável...
- Filho, perceba que...
- Não quero perceber! É muito difícil descer até os esgotos e ver um corpo? – Protestou o homem colocando suas mãos imundas sobre Bloodblade.
- Acontece que a Armada só deve ser ativada em caso de extrema emergência, e não me parece ser emergência...
- Mas não há ninguém na delegacia! Só posso recorrer ao senhor!
Bloodblade já ia começar a gritar, mas foi poupado desse ato infantil quando um de seus homens entrou na ala e falou assustado:
- Senhor, precisa ver isso imediatamente.
***
Os enlameados esgotos de Thais fediam a todo tipo de coisas fétidas possíveis. Poucos filetes da água cruzavam o solo batido. Pedras espalhadas pelas paredes presas com cimentos davam a impressão de canteiro de obras ao local. Arcos de madeira eram erguidos para sustentar o teto, mas já estavam bem apodrecidos. Definitivamente, caminhar ali não era lá um convite muito agradável.
O Oficial Ernest, da Armada thaiense, guiava Bloodblade através trilha de águas servidas dos estreitos acessos do esgoto. Depois de uma longa caminhada, eles chegaram até um beco sem saída, onde vários homens de azul procuravam pistas sobre alguma coisa. Todos pararam ao ver um homem de terno negro, com calças azul-marinhas e sapatos lustrados chegar.
Os olhos acinzentados do General Bloodblade fitavam a cena através de seus cabelos negros raspados. Coçava seu cavanhaque com a mão esquerda, e com a direita ordenou que parassem o que estavam fazendo. Seja lá o que fosse.
- Ernest, o que significa isso? – Falou Bloodblade ao ver uma capa negra sobre um montinho de alguma coisa.
- Um corpo senhor – Respondeu Ernest – Houve um crime aqui. Um assassinato.
- Quero ver a vítima – Disse Bloodblade se aproximando e retirando o manto – Meu Deus, é um dos nossos!
O corpo vestia azul. Tinha um manto ao seu lado. E uma perfuração no estômago.
- Baxter – Murmurou ao reconhecer seu mais fiel guarda. Passou as mãos na perfuração e concluiu que algum material inflamável fora cravado ali.
- Senhor – Disse um dos homens que ali trabalhava – O chão ao lado do corpo está aquecido.
- Cavem – Disse Bloodblade se levantando – Pode ser a arma do crime.
Bloodblade parou de encarar o corpo de Baxter e passou a tentar pensar. Seria esse o assassinato ao qual aquele camponês se referia?
- Senhor – Disse Ernest – Não era bem isso que queria que visse...
- Era o que então?
- Vire-se.
Bloodblade se virou e quase caiu pra trás ao ver a enorme construção.
- Chamem Nieu agora mesmo – Disse por fim.